1 de Maio: Lutas inglórias

1 de MaioQuando era adolescente, encarava quase tudo com normalidade. Pouco questionava sobre o mundo à minha volta. Aceitava, de mãos beijadas, o que se me oferecia. Um lanche ou uma camiseta e um boné eram suficientes para arrastarem-me para eventos como a marcha do 1 de Maio, Dia do Trabalhador.

Estudei, cresci e tive o meu primeiro emprego. A doutrina continuava copiosamente a mesma: nada a questionar. Agradecia pelas condições de trabalho que a minha empresa me oferecia. Contentava-me com o salário que ia aos meus bolsos no fim de cada mês. Não me importava se cobria ou não a cesta básica.

Hoje, após centenas e duras jornadas de trabalho, já não sou o mesmo. As crises económicas e financeiras sucederam-se. Algumas internas, outras, em que Moçambique, este meu país dependente do exterior em quase tudo, mesmo no que é considerado básico, foi apanhado por tabela.

Estou triste porque muita coisa mudou em mim. Já não sou aquele adolescente bonzinho ou, se quisermos, um yes man que aceitava o injusto. Que se alegrava com uma fatia do pão seco que, vezes sem conta, foi o meu almoço ou jantar que o emolecia com a ajuda de água quente e sem folhas de chá.

Agora não consigo me calar perante arbitrariedades que acontecem no quotidiano do trabalho. Reclamo pelo magro salário que está cada vez mais longe de cobrir as minhas necessidades básicas. Tenho crianças por cuidar e a estudarem em diferentes escolas. Quando amanhece, todos olham para mim. Querem pão em cima da mesa, materiais escolares e dinheiro para apanharem my love, o único meio de transporte que circula no meu bairro de expansão.

Tentei usar a crise como escudo para justificar as dificuldades por que passamos, mas não consegui convencer a ninguém, mesmo aos meus filhos menores quando no quintal ao lado há muita fartura: Comem, bebem do melhor e deitam a comida na lata de lixo e nós a minguarmos.

Não consigo ganhar razão no seio da minha família quando na casa do vizinho atrás há fortes sinais de riqueza: carros e telefones de luxo, roupa de marca, etc. A pergunta que me colocam é: porque é que os vizinhos não são afectados pela crise, a razão da nossa desgraça familiar?

Refugiei-me nos movimentos reivindicativos dos trabalhadores pelas melhores condições de trabalho e por um salário justo, sonhando com eventuais mudanças na minha vida. Era parte activa nas marchas de 1° de Maio, Dia do Trabalhador. Ergui bem alto dísticos com dizeres: “abaixo salários magros”, “trabalho justo, salário justo”.

Foram jornadas de luta que se repetiram ao longo de anos seguidos com a esperança de que algo melhoraria no meu sector de trabalho, afinal a esperança é a última a morrer. Olhando para atrás verifico que pouco ou nada ganhei nas minhas lutas sindicais. O fosso entre o meu salário e a cesta básica, calculada em 18 mil meticais, continua grande.

As estruturas de base do meu sindicato são quase inexistentes ou pelo menos inoperantes. Os seus dirigentes são mal vistos pelo patronato e alguns deles levam nas costas o selo de agitadores no lugar de lhes considerarem parceiros. Há despedimentos arbitrários e pouco ou quase nada se faz para salvar a situação. A nível central, os sindicatos estão reduzidos a negociadores dos salários mínimos, mas não conseguem impor a sua posição.

Nos dias que correm, o patronato ganhou o hábito de esconder-se atrás de alguns fenómenos naturais ou de dificuldades económicas do país para aumentar cada vez menos os salários. Os descontam para o INSS e os empregadores não canalizam as contribuições. A vida do trabalhador tende a degradar-se cada vez mais.

Tenho saudades dos tempos de adolescência em que tudo isto não seria problema para mim, mas agora pergunto se vale apena continuar a participar na marcha de 1 de Maio como uma jornada privilegiada para fazer reivindicações sindicais se nada está a mudar? Será que, como trabalhador, tenho que continuar a usar esta plataforma de luta pela melhoria da qualidade de vida se todas as reivindicações são sobejamente conhecidas por quem devia mudar o rumo das coisas? Para mim perdeu piada.

Estou abalado e confuso com tudo que está a acontecer no meu país que, no fim do dia, influi negativamente na qualidade de vida do pacato cidadão. Ha muita coisa para digerir, mas eu continuo o mesmo de sempre: trabalhador honesto, dedicado, assíduo, pontual e foco no desenvolvimento de Moçambique.

ALEXANDRE CHIURE

Este artigo foi publicado em primeira-mão na versão PDF do jornal Correio da manhã, na sua edição de 03 de Maio de 2019, na rubrica semanal denominada CHIBUTENSE

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