Saúde mental: Terrorismo

Saúde mental – A religiosa Aparecida Queiroz, psicóloga e coordenadora do apoio psicossocial na diocese de Pemba, Norte de Moçambique, considera que o número de psicólogos e profissionais da área de saúde mental é insuficiente para apoiar as vítimas de violência naquela região.

“Muitas organizações têm se interessado, têm investido e contratado psicólogos”, mas “diante de um número tão grande de pessoas deslocadas e diante de tantos traumas, ainda é um número reduzido” para o que Cabo Delgado precisa, refere aquela responsável.

A diocese já ouviu mais de 5.000 pessoas vítimas do conflito, muitas durante sessões em grupo, das quais 100 estão a ser acompanhadas individualmente.

Aparecida Queiroz ajudou a formar activistas nos distritos para a apoiar e aos profissionais da direcção provincial de Saúde na tarefa de escutar as vítimas e usar técnicas de resiliência.

São técnicas para que as vítimas possam “regressar à normalidade após uma crise intensa” e “consigam fazer as actividades diárias, desde dormir normalmente” até “conseguirem organizar-se e pensar no futuro”.

“Os relatos mais graves são de pessoas que se encontraram com um grupo armado e tiveram familiares assassinados diante deles. Também há relatos graves de pessoas que ficaram muitos dias no mato e em que algum companheiro, criança ou pessoa mais idosa, faleceu”, descreve.

São momentos traumáticos, mas as vítimas estão dispostas a partilhá-los em grupo, o que “ajuda a elaborar [processar] essas vivências” – sendo que há muitos casos que vão necessitar de apoio profissional continuado, destaca.

“Acredito na resiliência do ser humano” para conseguir ultrapassar situações como as descritas em Cabo Delgado, diz Aparecida, mas “há casos em que é necessário atendimento profissional” ou as vítimas podem ficar marcadas para sempre.

Reviver os momentos de tensão como um ‘flashback’ persistente, ter uma sensação de instabilidade, de perseguição e ansiedade, são sinais de que é necessário esse acompanhamento mais próximo para cada pessoa voltar às actividades normais.

Aparecida Queiroz, 40 anos, brasileira, pertence à Congregação Filhas de Jesus e chegou a Moçambique poucos dias antes do primeiro ataque de grupos insurgentes, em 05 de Outubro de 2017, em Mocímboa da Praia.

Já tinha trabalhado com grupos vulneráveis no Brasil e em Espanha e acredita que “o trabalho em grupo é muito positivo”, podendo impulsionar a descoberta de soluções entre pessoas com o mesmo problema, destaca. 

Aparecida dá o exemplo de mães cujas filhas se viram privadas dos ritos de iniciação na idade adulta, por via da deslocação forçada para fora das suas áreas de residência. 

“Conversar sobre isso num grupo de várias mulheres cujas filhas não realizaram o rito”, levou-as a encontrar formas de processar a perda e “encontrar alternativas”.

Metuge fica do outro lado da baía de Pemba, com vista directa para a capital provincial e acolhe vários campos de acolhimento de deslocados.

É uma das áreas de actuação das equipas de apoio psicossocial da diocese que iniciam as intervenções junto de cada comunidade.

Chegam e falam primeiro com os respectivos chefes nas zonas de acomodação, formando grupos, geralmente separando homens e mulheres, para facilitar a partilha de testemunhos, sem constrangimentos de género, descreve a religiosa.

A dinâmica mais usual no primeiro dia consiste em mostrar imagens de rostos com emoções diferentes, pedindo às pessoas que digam com que emoções se identificam – e a partir daí começarem a contar o que vai dentro de si, diz.

“O nosso interesse não é saber o que se passou [durante os ataques] mas os efeitos disso. Para nós é importante que cada pessoa conte as suas emoções e como está a lidar com isso”, descreve Aparecida.

Normalmente, “as pessoas identificam-se com a carinha triste, mas muitas também se identificam com a alegria. ‘Porque estamos vivos’ ou porque ‘conseguimos sair’, dizem”.

Há projectos a serem ultimados com doadores para permitir a contratação de mais psicólogos, há outros especialistas em saúde mental que se voluntariam e há um apoio que qualquer pessoa pode dar, refere.

“Dar acolhimento a deslocados é algo que todos podem fazer e faz parte do apoio psicossocial”, acolher e integrar na comunidade, acrescenta Aparecida.

Grupos armados aterrorizam Cabo Delgado desde 2017, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo terrorista Estado Islâmico, numa onda de violência que já provocou mais de 2.500 mortes, segundo contas feitas pela Lusa, e 700.000 mil deslocados, de acordo com as Nações Unidas.

O mais recente ataque brutal foi feito em 24 de Março contra a vila de Palma, provocando dezenas de mortos e feridos, num balanço ainda em curso.

As autoridades moçambicanas recuperaram o controlo da vila, mas o ataque levou a petrolífera Total a abandonar por tempo indeterminado o recinto do projecto de gás com início de produção previsto para 2024 e no qual estão ancoradas muitas das expectativas de crescimento económico de Moçambique na próxima década.

Redactor/Lusa

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