Sul-africanos querem “tifula”

Sul-africanos querem  – A falta de conhecimentos e/ou visão até certo ponto podem matar. Uma comitiva do Governo provincial de Gaza, Sul de Moçambique, visitou, entre os dias 16 e 18 deste Março a província de Limpopo, Norte da África do Sul, e, entre outras coisas, foi constatar que empreendedores do país vizinho estão ávidos da amêndoa do canhú, que os moçambicanos simplesmente olham como “lixo”.

Efetivamente, empresários sul-africanos, pela voz daqueles que estão baseados em Palaborwa, na província do Limpopo, limítrofe com Moçambique, dizem estar interessados em adquirir em quantidades industriais amêndoa do canhú, actualmente desperdiçado na sua quase totalidade na chamada Pérola do Índico.

Na África do Sul, a amêndoa do canhú é extremante procurada por industriais do sector de cosméticos e de bebidas, com particular ênfase para a preparação da famosa Amarula, muito apreciada mesmo aqui em Moçambique, particularmente por mulheres.

Esta procura acontece, igualmente no vizinho Reino de eSwatini (antiga Suazilândia), onde a poucos quilómetros da fronteira de Moçambique para quem entra tanto da Namaacha/Lomaacha como de Goba/Mlhumeni, existe uma fábrica de sabões e cosméticos, tudo feito na base de amêndoas do canhú.

Os cosméticos fabricados no reino montanhoso de eSwatini são, de resto, muito procurados e usados por empreendedores turísticos em Moçambique, que os colocam ao dispor dos seus clientes nos logdes.

O interesse por esta castanha moçambicana hoje “lixo”, mas que esconde fortunas, foi manifestado na semana passada na sede do Município de Tzaneen, província sul africana de Limpopo, onde se encontrava uma vasta equipa do governo provincial de Gaza (Sul de Moçambique), liderada pela respectiva governadora, Margarida Mapandzeni Lhongo.

Os sul africanos disseram claramente que, doravante, pretendem recolher toda a quantidade possível da amêndoa do canhú dos distritos a Norte de Gaza (regiões limítrofes com a província sul-africana de Limpopo) para concentrá-lo na região de Palaborwa.

A dar resultados positivos esta pretensão, seria, talvez, uma oportunidade para “reabilitar” a imagem da região de Palaborwa, depois de décadas com má memória para muitos moçambicanos, por ter sido aqui uma das bases de referência da RENAMO durante a guerra dos 16 anos, incluindo a sua emissora de rádio, a célebre Voz da África Livre.

A ideia é que de Palaborwa as amêndoas de canhú sejam escoadas para diversos centros industriais interessados pelo produto na África do Sul.

A parte a ser comprada pelos fabricantes da Amarula seria de Palaborwa transportada para a Cidade do Cabo, onde se localizam as grandes vinícolas sul africanas, principalmente na região de Stellenbosch.

Quem particularmente sairia a ganhar com este negócio deste caroço em Gaza conhecido por “tifula” ou “timongo” são os residentes dos distritos de Massangena, Mapai, Chicualacuala e Massingir.

Até agora, as “tifula” ou “timongo” são apenas aproveitas na cozinha – como último recurso – substituindo o amendoim, em momentos de fome extrema, quando este legume escasseia.

Hoje, as populações destas regiões são das mais depauperadas e quando tomaram conhecimento dos resultados da visita da comitiva da governadora Margarida Mapandzeni Lhongo propagaram a informação pelas aldeias e muitos já esfregam as mãos e contente, prevendo-se uma autentica corrida à caca da amêndoa do canhú hoje rematada em muitas lixeiras de Gaza.

“O canhú está nas nossas localidades, nas nossas povoações onde serão criados pontos de recolha. Julgamos que vai criar oportunidades de emprego para a nossa juventude e para a população no geral”, foi nestes termos o administrador de Massangena, Sancho Humbane, comentou a “descoberta” do valor comercial da amêndoa do canhú.

A procura pelo caroço do canhú acontece numa altura em que várias indústrias de cosméticos direccionam suas pesquisas no desenvolvimento de novos produtos, utilizando matérias-primas de origem vegetal. Trata-se de uma alternativa que se procura para substituir o uso de materiais sintéticos.

Para além do canhú, os sul africanos, através da Universidade de Limpopo, chegaram a acordo com o Governo da província de Gaza para pesquisarem outras plantas e frutos silvestres existentes nas matas da zona Norte deste ponto territorial meridional de Moçambique.

“Julgamos que estas plantas e frutos silvestres podem ser úteis para a medicina e para a indústria de cosméticos. Na base do que ficou acordado, a Universidade sul africana do Limpopo vai fazer uma pesquisa para melhor entendermos o valor de cada planta e de cada fruto”, comentou a Governadora de Gaza, em jeito de balanço da sua visita.       

Não há ainda datas do início do projecto porque a parte moçambicana ainda deve fazer o seu trabalho de casa, nomeadamente definir os locais de recolha, melhor época para a recolha, as rotas a seguir e os valores envolvidos.

Devido à proximidade geográfica, o distrito de Massingir [que do lado sul-africano tem, também, a má fama de ser o principal berço de caçadores furtivos de rinocerontes em partes da África do Sul] será o epicentro da iniciativa da parte da província de Gaza.

As províncias de Gaza, em Moçambique, e Limpopo (África do Sul), assinaram, em 2006, um memorando de entendimento visando a troca de experiências em áreas como agricultura, pecuária, turismo e pesca, todas estas oportunidades muito pouco exploradas.

Estamos a falar do caroço de uma planta selvagem de tamanho mediano, originária do bioma das savanas da África oriental, muito abundante no Sul de Moçambique – o canhoeiro – cientificamente conhecida por Sclerocarya birrea, (skleros dura, karya noz – referência à semente), a cuja bebida se atribui efeitos afrodisíacos e o seu consumo envolto em mitos.

RAULINA TAIMO, em Polokwane, especial para o Redactor

Este artigo intitulado “Sul-africanos querem comprar aquilo que os moçambicanos olham como “lixo” foi publicado em primeira mão na edição em PDF do jornal Redactor do dia 22 de Março de 2022.

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