Queres ajudar-nos a arranjar a máquina?

Queres ajudar-nos a arranjar a máquina? – Foi esta a resposta que me fez perceber o motivo pelo qual a minha ex-namorada reclamava do facto de eu nunca expressar o que verdadeiramente sentia. Mas como chegamos a esta conclusão?

Bem, tudo começou quando mais uma vez acordei com vontade de cumprir com o meu ofício de informador, mas sem saber muito bem o que informaria naquele dia. Depois de muito matutar e de internamente maldizer as minhas fontes que naquele dia decidiram deixar de atender as minhas chamadas, sem coragem e nem justificativas para dar ao editor. Lembrei-me que decorria o recenseamento eleitoral. Ainda não me tinha recenseado, portanto pensei que aquela seria uma boa oportunidade para fazê-lo. Como diria Roberto Chitsondzo, vocalista de uma das melhores bandas que tem alguma vez existiu em Moçambique; os Gorhowanes: “a loko uli wanuna a mudjansi a u wusiye kaya” (Um homem nunca deixa o casaco em casa), peguei no meu mudjansi, o dia era frio, mas simpático, gostava do frio, vesti a roupa a combinar com a cara do céu. Meti nos bolsos tudo o que era equipamento de trabalho, pendurei no pescoço e por um motivo que ainda não sei justificar, decidi esconder por baixo da camisa o crachá que me identificava como jornalista com o “direito” garantido de reportar matérias ligadas ao nosso censo eleitoral. No ombro esquerdo pendurei a super-pesada câmera Canon 7D, que insistia em recordar-me que eu era pobre, porque se fosse rico, teria um aiphone e faria mojo (mobile journalism) como todo bom e responsável jornalista tem feito nos dias de hoje, mas nãooo. Lá ia eu com a velha “betsie” que atraía para mim olhares que não me importava de viver sem.

Fui caminhando pelas ruas do bairro Bunhiça. Nada parecia fora do comum. Fui me deparando com todo o tipo de notícia que já não era novidade:  as mesmas ruas esburacadas, a velha erosão, os mesmos jovens a consumirem drogas, os mesmos locais impróprios para depósito de lixo, enfim essas coisas do dia-a-dia que compõem qualquer bairro normal nesta Matola que “todos queremos” e que em nada alteram a simpatia dos matolenses.

Depois de uma breve caminhada e alguns “olás e boas tardes”, estava na minha frente a tão estimada tenda de recenseamento eleitoral cuja coloração ia se igualando a da terra, o branco era só uma figura de estilo. Contudo, guardava um certo “flair” ali largada a meio daquele campo extenso e verdejante.

Espantei-me ao notar que não havia “bicha” como era comum naquele local, os meus instintos de informador denunciaram naquele momento que alguma coisa não estava certa. Aproximei-me da entrada da tenda onde deparei-me com cinco mulheres em idades dispersas ali sentadas.

– Boa tarde! – Cumprimentei, com o melhor sorriso que consegui para disfarçar a timidez. – Boa tarde! Respondeu sem olhar para mim a moça que estava a minha frente e de costas para mim, sentada quase deitada com os pés pendurados na outra cadeira a mexer no telemóvel, num tom pouco amigável.

– Vem recensear? Perguntou a senhora mais velha que estava sentada mais à esquerda. – Sim, respondi. – A máquina está avariada, disse a moça do telemóvel ainda num tom pouco amigável.

– O que aconteceu com a máquina? Perguntei inocentemente.

– Está avariada, respondeu mais uma vez num tom ainda menos simpático a moça do telemóvel, estás a perguntar o que aconteceu com a máquina, queres nos ajudar a arranjar? – Completou, rispidamente, sem nunca colocar os olhos em mim.

– Não, só quero saber o que se passa com a máquina mesmo, respondi calmamente.   Tenho a impressão de que naquele instante outra moça que estava sentada no canto mais afastado da tenda, recordou-se que já me tinha visto por ali antes a fazer perguntas (daquela vez, devidamente ataviado) e desconfio que conseguisse ver no pescoço o pequeno laço azul que segurava o crachá. Esboçou o melhor sorriso amarelo que conseguiu ao que ternamente correspondi.

De seguida, outra senhora mais crescida, que também já me tinha visto por ali antes, decidiu intervir. – Colegas, vamos manter a calma é preciso saber explicar o que está a acontecer, e prosseguiu com a melhor explicação de backlog que conseguiu dar.

Na verdade, o que estava a acontecer era que a máquina tinha boletins acumulados e precisava que estes fossem impressos antes de emitir novos, não estava avariada.

Estava apenas a cumprir com outras tarefas e naquele momento não poderia satisfazer a minha necessidade.

E foi assim que saí daquele local com o estomago às voltas sob promessa de que se voltasse hora depois lograria os meus intentos.

Enfim, queres ajudar a consertar a máquina?

Stélvio Martins

Este artigo foi intitulado foi publicado em primeira-mão na versão PDF do jornal Redactor, na sua edição de 05 de Junho de 2023, na rubrica de opinião denominado OPINIÃO.

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