Crédito para a agricultura

Nesta matéria, África tem um grave problema. Escasseiam bons créditos para o desenvolvimento da agricultura graúda ou evoluída no nosso continente. Mas esta afirmação traz à tona esta outra importante questão: será o crédito a panaceia para os problemas que impedem África de ser um continente com agricultura desenvolvida?              Será a falta de crédito a explicação bastante e única para que as machambas africanas estejam a produzir abaixo do seu potencial natural instalado? Rezam as estatísticas mundiais que o nosso continente é o que possui as melhores terras aráveis do planeta.

     Haja entre nós alguma coragem para fazermos o elenco dos principais problemas impeditivos do desenvolvimento da nossa actividade agrária em África. Falei de “bons créditos”. Mas o que é isto? Um dos pressupostos para a existência de bons créditos é que estes visem financiar projectos com viabilidade aceitável. Hoje ouvimos dizer que os projectos devem gozar de excelente bancabilidade. Devem ser atractivos aos bancos. Devem ter garantia de retorno não problemático do capital e dos juros perspectivados. Pouco se fala da sua viabilidade social. Daquela viabilidade agradável ao Homem. Um bom projecto bancável é aquele que deixa desenvolvimento económico, social e humano na vida do beneficiário directo, da comunidade na qual o projecto fora ou será implantado e na esfera patrimonial do banco, com é, linearmente, óbvio.

          O crédito é uma ferramenta. Ele, tal como toda a ferramenta, faz o trabalho de complementação que as forças naturais do indivíduo não conseguem fazer. Neste caso concreto o crédito aparece para complementar a parte não coberta pelos recursos e poupanças próprios do investidor para financiar o investimento. Poucas vezes um crédito a 100%, sem esta comparticipação dos recursos próprios do investidor, costuma ser bom. Quando os recursos lhe são 100% alheios, o investidor não se envolve a 100% para o seu sucesso.

          Vamos então ver porque motivo o crédito jamais será panaceia para todos os males – e são muitos – que grassam a agricultura em África. Numa tentativa longa, nunca exaustiva, vejamos por que o crédito não é o factor impeditivo do desenvolvimento da nossa agricultura neste nosso continente, dito, potencialmente, rico. Mas que compete aos africanos trazer à realidade essa riqueza em potência. Temos de transformar o potencial em riqueza, “de factum”, palpável. Existem muitos elementos que actuam em cadeia a desfavor da concessão, em larga escala, do crédito para a agricultura em África.

          O analfabetismo acima dos índices internacionalmente aceites e padronizados pela UNESCO – como é que um analfabeto vai conceber e gerir em moldes avançados a sua machamba, transformando-a numa unidade de produção comercial de grande envergadura se o camponês não sabe ler nem escrever nem na sua língua de berço.

          O uso de instrumentos de produção arcaicos e tecnicamente atrasados. Com a enxada de cabo curto o rendimento homem por hectare é dos mais baixos do planeta, geradores de pouco rendimento pecuniário, insusceptível de tornar a machamba familiar uma actividade vocacionada a provocar a acumulação de rendimento elevado.

          A inexistência de poupanças que serviriam de contrapartida na demanda do crédito necessário a financiar investimentos futuros na machamba.

          A falta de incentivos concedidos ao camponês que, em escala menor, é tão investidor como o são os mega-projectos estrangeiros, a que se lhes acumulam, em longos períodos de tempo, uma panóplia de incentivos diversos: fiscais, aduaneiros, etc. Um dos incentivos que poderia ser dado ao camponês machambeiro investidor seria, por exemplo, a concessão de isenção ao pagamento do IVA em tudo o que ele quisesse comprar durante alguns anos. Isenção ao pagamento de propinas aos seus filhos que estivessem a estudar nos ensinos secundário, médio e superior.

          Outros aspectos que deverão ser elencados antes do crédito são: i) a inexistência de centros de pesquisa para o desenvolvimento da agricultura disseminada pelas zonas rurais de África; ii) as vias para a circulação de pessoas  e bens são precárias – as picadas não são transitáveis; iii) há escassez de silos para a preservação da produção antes do consumo e comercialização; iv) inexistência de uma malha de cobertura de lojas que comprem imediatamente a produção agrícola, aliviando assim o machambeiro do ónus de andar à procura de potenciais compradores dos seus produtos; v) inexistência de industrialização dos produtos primários, obrigado assim África a transferir os seus valores acrescentados para fora do continente; vi) inexistência de bancos de desenvolvimento para apoio à  agricultura que funcionarão em moldes diferentes dos vigentes.

          Face a esta elencação de carências, conclui-se que os problemas de natureza estrutural a montante e a jusante da agricultura não têm a sua panaceia no crédito. África terá de procurar aplicar soluções estruturais para os seus problemas estruturais impeditivos de ter uma agricultura desenvolvida.

          O crédito tem um efeito paliativo ante o gravíssimo problema do subdesenvolvimento da nossa agricultura. Tal como a aspirina é uma má solução para nos curar da malária, cujo medicamento eficiente ainda é a quinina. Com o crédito ocorre o mesmo. Ele não constitui a panaceia para todos os males estruturais que grassam na agricultura africana.

ANTÓNIO MATABELE

https://rb.gy/21ujt

Este artigo foi publicado em primeira-mão na versão PDF do jornal REDACTOR, na sua edição de 15 de Setembro de 2023, na rubrica de opinião denominada N’Siripwiti/Gato do mato  

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