Há cada vez mais crianças envolvidas no garimpo em Manica
Orfandade e pobreza extrema são os principais factores que precipitam muitas crianças e adolescentes (com idades entre nove e 17 anos, na sua maioria) para a actividade mineira informal de extracção de ouro, vulgo garimpo, com as autoridades sem argumentos efectivos para travar o fenómeno.
É, efectivamente, este quadro que Manica nos apresenta, numa altura em que se estima que cerca de 2,4 milhões de crianças estão empregues nesta prática à escala nacional, actividade rotulada em documentos oficiais como “uma das piores formas de trabalho infantil”.
Mesmo assim, algumas crianças empurradas pelos percalços da vida para a mineração informal não deixam de acreditar num amanhã risonho, por exemplo como agentes da Polícia e outros como docentes.
Pedro Tadeu Malondo, régulo da localidade de Chua, na província de Manica, frisa que a orfandade, o desemprego que grassa muitas famílias e a pobreza extrema são os principais motivos que empurram a maioria das crianças e adolescentes para o garimpo.
“As crianças aqui vão ao garimpo porque não há emprego, há muita pobreza e muitas são órfãs. Há casos de pais que são colegas de trabalho dos próprios filhos, não porque assim querem, mas porque a situação assim o obriga”, argumentou Malondo, em entrevista ao jornal Redactor.
E. Bengula, dono de um espaço de exploração mineira, diz que “ninguém, nas actuais condições, vai travar o envolvimento de crianças e adolescentes no garimpo” e acrescenta que ele próprio inicialmente rejeitou empregar menores, mas diz que há casos em que são os próprios progenitores que vão suplicar pelo seu enquadramento, alegando orfandade e falta de alternativas para a sua subsistência.
A desempregada Julieta Elias, de 33 anos de idade, admite em declarações ao Redactor que mandou o seu filho Weyne Mateus, de 10 anos de idade, porque não suportava mais o sofrimento dela e do seu rebento, “enquanto aqui na zona há uma janela de oportunidade [garimpo]”, mesmo ciente dos riscos que [o filho] corre no subsolo.
Mónica Mucaro é outra mãe ─ do menino e garimpeiro John João, de nove anos de idade ─ que admite estar sempre com “o coração nas mãos” enquanto o seu filho estiver no trabalho “porque lá se morre de qualquer maneira”, mas, confessa, “não tenho alternativa porque dependemos da renda que o John traz para casa”.
“Porque John é o único homem aqui em casa ele teve de parar de estudar. Temo que morra, mas não sei o que fazer, dependemos do trabalho dele também para comer aqui em casa”.
Amélia Raimone, de 42 anos de idade, viúva e mãe de Maico Fernando, de 17 anos de idade, diz que o filho aderiu ao garimpo em 2017, na sequência da morte do pai “para garantir o sustento da família hoje com seis elementos”.
Diante deste contexto, Beatriz Pereira, chefe do Departamento de Trabalho e Segurança Social na província de Manica, reconhece o motivo da participação das crianças no garimpo, porém entende que o lugar das crianças é na escola e o Governo apenas tem feito palestras nas escolas, igrejas, garimpo e nos bairros como forma de desencorajar a participação da criança neste sector.
“Muitas das crianças que se entregam ao garimpo são órfãs e vivem em condições de pobreza extrema”, admite a governante, mas insiste que “o lugar da criança é na escola, e temos feito muitas actividades no sentido de desincentivar as crianças a não praticarem o garimpo porque é uma actividade um pouco forçada e arriscada”.
Questionada sobre o contributo do Governo para minimizar este drama, a governante admitiu que “o acesso ao emprego está difícil” e as autoridades não estão em condições de o assegurar a todos.
Esta situação está a concorrer para a multiplicação de casos de desistência escolar dos estudantes, cenário confirmado pelo Serviço Distrital de Educação, Juventude e Tecnologia de Manica.
De acordo com este departamento governamental, o balanço do aproveitamento pedagógico e escolar do 2.º trimestre de 2023 indica que dos 86.518 alunos matriculados apenas chegaram ao fim deste período 85.788 alunos.
A governante afirmou que o Executivo tem algumas medidas para mitigar a problemática da falta de emprego, animando o autoemprego e, por vezes, distribuindo kits de apoio escolar às crianças.
Mesmo diante das dificuldades vividas para o acesso à educação, os meninos garimpeiros afirmam que ainda alimentam sonhos, com alguns deles acreditando que ainda podem vir a ser docentes e/ou agentes da Polícia, como é o caso de Nicolau Bernardo, garimpeiro hoje com 15 anos de idade, que diz que ainda vai a tempo de envergar o uniforme das forças da lei e ordem de Moçambique.
O jovem garimpeiro Armando João, também com 15 anos, ainda encontra tempo para prosseguir os estudos e este ano concluiu a oitava classe na Escola Secundária de Jécua e jura a pés juntos que um dia estará diante de estudantes a ministrar aulas de Português.
Pelos vistos, mesmo diante de tantos tormentos, a vida continua e a esperança prevalece.
NOÉMIA MENDES (Texto e fotos), em Manica
Este artigo foi publicado em primeira mão na edição em PDF do jornal Redactor do dia 26 de Dezembro de 2023.
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