As úlceras de Mecuburi

Era mais um dia de sol abrasador em Mecuburi, um daqueles que parece queimar até a alma. As estradas, que mais pareciam testemunhas de uma batalha antiga, continuavam a desafiar qualquer veículo que ousasse cruzar por elas. Cada buraco era um lembrete da passagem do tempo, do abandono e da luta diária dos que por ali viviam.

Mecuburi, pequena e modesta, escondida nas profundezas de Nampula, um lugar de gente que resiste ao tempo e às promessas não cumpridas. As estradas esburacadas, embora castiguem os automóveis e arranquem reclamações dos motoristas, é quase uma metáfora da vida local: cheia de altos e baixos, surpresas indesejadas, e o desafio constante de seguir em frente.

A dona Delfina, com seus sessenta e tantos anos, equilibrava-se com maestria na sua velha bicicleta, desviando dos buracos como quem já conhecia o caminho de cor e salteado. “Se não fosse por esses buracos, talvez a gente andasse mais rápido, mas rápido pra quê?”, ela brincava. Dona Delfina, como muitos outros, aprendeu a lidar com o descaso das autoridades como uma parte da rotina. A vida em Mecuburi corre em um ritmo próprio, onde a pressa pouco vale diante das realidades impostas.

No mercado, entre um saco de mandioca e outro de milho, as conversas se entrelaçam. Fala-se dos filhos que foram estudar na cidade em busca do bem da família, das chuvas que estão por vir e, claro, das estradas. Sempre as estradas. “Prometeram asfalto há mais de quatro anos”, comentava o velho Nampoti, cutucando a terra com seu cajado. “Mas parece que, assim como as promessas, os buracos só aumentam”.

Apesar dos buracos, a vida segue. Carros carregados de carvão avançam aos trancos e barrancos, levando consigo o que resta da colheita de famílias que dependem da terra para sobreviver. Outros carregando pessoas coladas na carroceria entre os ferros, uns pendurados por cima de sacos de milho nas madrugadas frias. O som dos pneus encontrando a terra batida e as pedras soltas é uma trilha sonora diária para quem vive à beira da estrada.

As estradas esburacadas de Mecuburi não são apenas um obstáculo físico; é um lembrete constante da resistência de um povo. Cada buraco cavado pela chuva, cada falha no asfalto nunca colocado, é preenchido pela esperança de dias melhores. Não que alguém acreditasse realmente que as promessas fossem cumpridas, mas em Mecuburi, mesmo quando as estradas não levam a lugar algum, as pessoas sempre encontram uma maneira de seguir adiante.

E assim, enquanto o sol se põe atrás das montanhas, as sombras se alongam sobre as estradas maltratadas. Mas o povo de Mecuburi, com seu espírito resiliente, continua a caminhar, a pedalar, a conduzir – contornando os buracos da estrada, assim como faz com os da vida.

Então, se Mecuburi não é esquecido, é negligenciado.

JÚNIOR RAFAEL OPUHA KHONLEKELA

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