A importância de sonhar enquanto cidadão vs um País: Caso de Moçambique

Quando o Povo Moçambicano decidiu organizar-se em 1962 e formar a FRENTE DE LIBERTAÇÃO DE MOÇAMBIQUE (FRELIMO), a partir de três Movimentos (UDENAMO, MANU, UNAMI) para lutar contra o jugo colonial, quero acreditar que essa acção não foi movida por interesses particulares, tão pouco, por uma pura diversão ou individualismo qualquer; porque essas motivações não teriam alcançada a experiência já mais vista antes.

Em qualquer sociedade, a União dos Grupos Sociais é fundamentada por uma agenda colectiva, um bem comum; onde todos comprometem e engajam-se em prol da mesma semente e do mesmo fruto. Esses fundamentos não são estáticos. A sua vida vai acompanhando um contexto dinámico no espaço e tempo determinados.

Porém, os indivíduos, voluntariamente, enquanto membros do grupo, todos são nutridos e sempre pelo mesmo princípio da necessidade de unidade baseado no envolvimento cativo e não passivo de cada um deles.

Esse envolvimento cativo de todos; essa união de grupos sociais de diferentes cantos do País que ocorreu em 1962 para fundar a FRELIMO, acredito que só foi possível porque havia um SONHO. Esse SONHO era alcançar a INDEPENDÊNCIA. Acredito que o alcance desse SONHO só foi possível porque havia uma coerência entre o pensar, sentir e agir dos grupos sociais e da população:  Primeiro, tínhamos o mesmo sentimento do sofrimento que passávamos durante a colonização; Segundo, o pensamento era o mesmo, de que havia necessidade de fazermos alguma coisa, unirmo-nos; e por fim agimos na mesma direcção, todos unidos, juntos por um bem comum.

Como diz Frei Bento Domingues no seu artigo intitulado, “As Religiões não são todas iguais”: Em tudo que é humano também pode surgir o desumano, fim da citação. Alcançamos a independência, as brigas surgiram. A Luta pela divisão igual do bolo. Claro, concordo que precisamos de dividir o bolo pelo qual todos lutamos, por igual. Se uns pretendem tirar mais vantagens, isso é trepassar os outros. Num grupo social, não vale querer “bancar” de esperto, pois dessa forma, perdes a confiança do grupo no seu todo ou ficas com aqueles que fazem parte da sua ala. “I ku kanganyisa makwenu”. (É enganar o irmão).

O espírito diabólico possuiu-nos. Lutamos entre nós. Matamo-nos. Tudo isto por causa de uma coisa vã, efémera. Esquecemos que nos unimos com o mesmo objectivo, o bem comum.

Somos humanos. Os irmãos quanto lutam, os pais ou a vizinhança pode acudir. Na nossa terra essa atitude faz parte das nossas práticas quotidianas. Os nossos pais, irmãos, a vizinhança, acudiu-nos. Reconciliamo-nos segundo alguns acordos que aceitamos assumir. Comprometemo-nos a seguir um novo rumo e abrir uma nova página da nossa vida. O nosso sonho desta vez era reconstruir, o que construímos e destruímos por causa da nossa ganância. Agora corremos o mesmo risco.

Mas desta vez, depois da quebra do laço da Unidade que “fungamos” (juramos) no primeiro SONHO, parece difícil resgatarmos uma reconciliação efectiva. Há crianças na rua; Pessoas Idosas desamparadas; jovens desempregados (alguns porque não tem formação ou competências profissionais requeridas, porque não tem acesso a educação outros por falta de oportunidades ou apoio para iniciar algum negócio); Pessoas sem acesso a condições condignas de habitação; fome; doenças sem cura, entre outros problemas sociais. Claro, faz parte do ciclo de vida.

Enquanto ultrapassamos estes problemas sociais, vão nascendo outros. Mas a minha pergunta é: cadê aquele espírito que nos uniu para alcançar o primeiro SONHO (Independência)? A resposta que me aparece, à primeira vista é que hoje estamos divididos. Há aquele que se sentem estabelecidos e se conformam com essa realidade, pois a sua vida já está feita. Porém, há outros que embora não estejam estabelecidos, também se conformam com essa realidade, pois consideram que não adianta mais sonhar. Outros, simplesmente vão na boleia do vento, seja este frio ou quente, o que importa é o EU. Diante desta situação, torna-se difícil unir-se, pois as bases da unidade com as quais nos unimos para alcançar o primeiro sonho, estão enfraquecidas.

O sentimento já não é o mesmo entre o povo, pois a dor que atormenta os outros, não existe na casa de uns. Pensar em acabar com a dor dos outros, não é prioridade na família de uns. Isto tudo, produz um agir contraditório no nosso País. Existe um sentimento de indiferença social generalizado em todos níveis, desde as bases familiares até níveis governamentais mais altos.  

Mas, ainda não chegamos ao fim do Mundo. Precisamos de continuar a sonhar. É importante sonharmos, enquanto cidadãos. É importante sonharmos, enquanto um País. Com todos esses acontecimentos e experiências que passamos, aprendi três coisas:

Primeira, para melhorar as condições da nossa vida ou a nossa Condição Humana precisamos de sonhar sobre as condições em que gostaríamos de viver. Essas condições devem ser visualizadas num horizonte espaço e temporal determinado. Precisamos de reflectir sobre o que estamos dispostos a fazer para criar essas condições.

O que estamos dispostas a fazer, não se trata de colocar a nossa vida, nem dos outros nossos irmãos em risco; tão pouco aquilo que geraria em nós um sentimento de contradições que futuramente causaria um sofrimento mental ou físico a nós ou aos outros. Trata-se da determinação de propostas de acções e posteriormente acções concretas que respondam aos nossos anseios, nossos sonhos, sendo que a implementação dessas acções desencadearia em resultados harmoniosos em nós mesmo e nos outros, fruto de um diálogo empático e não violento.

A segunda lição: não adianta e não funciona sonhar em que condições gostaríamos de viver e confiar a materialização desses sonhos ao outro, como por exemplo: um amigo, um marido, uma esposa, um filho, um Pai ou uma Mãe, um Partido Político ou a qualquer uma das Organizações da Sociedade Civil que se intitula de Advogado dos Cidadãos sobre este ou aquele problema, porque estes têm a sua agenda, seus interesses pelos quais se organizaram e nada nos garante que veremos os nossos sonhos se materializarem se continuarmos de braços cruzados e passivos. Se temos um SONHO, é preciso sermos nós os primeiros a lutar por esse sonho. Precisamos de sermos nós a fazer alguma coisa para mudar a condição humana da nossa existência, seja no domínio social, económico, político e cultural.

A maior responsabilidade é nossa, de fazer parte como actores não passivos, mas activos no processo da concepção das Políticas, Leis, Planos estratégicos, Projectos que directa ou indirectamente tocam a nossa vida. A participação do cidadão nesses processos não é um favor, é um direito e um dever, onde a responsabilidade é de cada um de nós como Guardiões (como diz Papa Francisco).

Essa participação activa, deve começar em casa nas pequenas lides, estendendo-se ao quarteirão, Bairro, Comunidade, Localidade, Distrito, Província e no País em geral. A todos esses níveis, uma precisa e deve sentir-se envolvido e de forma activa. De outra forma contrária, acredito que estará a criar um ciclo vicioso de sofrimento mental e físico se nada fizer para mudar a sua condição social, económica, política e cultural para o melhor, para si e para os que ao seu redor vivem.

Terceiro, cada um precisa ter autoestima. Não me refiro a mesma autoestima de MC Roger, tão pouco aquela que povoa nos discursos populares. Mas refiro-me a autoestima que consiste em valorizar a sua personalidade, enquanto criança, adolescentes, jovem, adulto, esposo, esposa. Autoestima que floresce ao valorizar as suas competências profissionais enquanto professor, médico, enfermeiro, assistente social, governador, pedreiro, cantor, agente de serviço, director, chefe, electrecista, Presidente da República, Primeiro Ministro, Ministro, Assessor, Jornalista, entre outras, enquanto servidores do povo. Falo de autoestima de saber dizer: NÃO `a uma vida medíocre; NÃO, `a uma vida de sofrimento mental e física; NÃO, `a uma vida de contradição, pois esta, só gera sofrimento. Não precisamos de ter binóculos para ver quanta infecção maligna mental de alguns alheios, alonga o sofrimento de muitos Moçambicanos. Vimos uma consequência de uma vida contraditória do ponto de vista político, económico, social e cultural.

Sei que, nesta altura, apelar ao mesmo espírito que nos uniu para alcançar a independência seria um SONHO. Mas porque acredito nesse SONHO, apelo que ele possa ressurgir pelo menos de uns dos lados, mas com o mesmo objectivo, unir a todos; porque dividir o meu País Moçambique, não é o meu SONHO.

VASCO MUCHANGA (Sociólogo), artigo escrito em Maio de 2013, resgatado por ser atual

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