Quando a África acordar
Outro dia, me peguei pensando numa frase que li nas redes: “Se a África despertar, não haverá mais comida para o Ocidente e os demais aproveitadores”. Fiquei com ela martelando na cabeça como música grudenta. Não por ser poética, mas porque dizia uma verdade nua, crua e mal digerida por quem ainda prefere acreditar em contos de fadas globais.
Imagina a cena: a África acordando, espreguiçando-se como quem tira um sono profundo. Não aquele sono de descanso, mas de cansaço. Um sono induzido por séculos de roubo, manipulação e promessas furadas. Um sono onde, mesmo adormecida, continuaram arrancando seus dentes de ouro, seus pulmões de petróleo, seu sangue de diamante.
Acordada, a África se olharia no espelho. Veria o que sempre foi: um continente rico, cheio de ritmo, saberes e futuros. Mas também veria as marcas das correntes — algumas já enferrujadas, outras ainda frescas. E aí, com calma, como quem decide que vai levantar para nunca mais voltar para cama, começaria a colocar ordem na casa.
Nesse dia, os “donos do mundo” talvez engasgassem com seus banquetes. O petróleo ficaria mais caro, os minérios menos acessíveis, e as mãos baratas deixariam de costurar tênis de luxo. O que se entende hoje por “ajuda humanitária” viraria piada de mau gosto. Porque a África, em pé, se bastaria. Talvez até ajudasse quem um dia a explorou — vai saber, a generosidade tem raízes fundas naquele solo.
O curioso é que esse despertar não será com gritos, tanques ou bandeiras tremulando. Vai ser um cochicho de dentro para fora. Vai começar nos livros, nos celulares, nas assembleias comunitárias, nas redes que ninguém vê. Vai nascer nas línguas resgatadas, nos cultivos ancestrais, nos sonhos dos que ainda acreditam que o sol africano pode nascer para os africanos — e não só para as fotografias dos turistas.
O mundo teme esse dia. Teme porque sempre viveu às custas do sono africano. Mas o relógio está tocando. E quando a África acordar, não será só ela que mudará. O mundo inteiro terá que reaprender o que é justiça, abundância e, sobretudo, o que é dignidade.
E quer saber? Já passou da hora.
JÚNIOR RAFAEL OPUHA KHONLEKELA
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