O pombo que se recusou a bater asas pela paz
Na quente manhã cerimonial de Massinga, entre tambores afinados e discursos já meio gastos, todos aguardavam o momento mais simbólico do evento: o voo do pombo da paz. A expectativa era grande. As câmeras posicionadas. Os sorrisos ensaiados. O “presidente” – entre um gesto calculado e outro – ergueu a ave com a delicadeza coreografada de quem segura a própria reputação. Mas o pombo, traidor do script, recusou-se a voar.
Sim, senhoras e senhores: o pombo ficou. Cravou os pezinhos no poleiro improvisado, olhou em volta com um ar de cansaço cívico e disse, com o silêncio das penas: “Paz pra quem?”
Na sala de crise montada às pressas, assessores suavam. Houve quem sugerisse responsabilizar o tratador – “infiltrado?”, alguém ousou perguntar. Outros queriam instaurar uma comissão para investigar se o pombo havia sido treinado em bases inimigas. “Ave subversiva”, dizia-se nos bastidores. Até cogitaram substituir a espécie nas próximas cerimônias: talvez uma pomba-robô, à prova de consciência.
O presidente, visivelmente desconcertado, esboçou um sorriso duro e continuou gritando “a paz wòye. Era preciso salvar a narrativa. Disse que o pombo ficou porque já sentia que a paz estava firmada ali mesmo, no coração do povo. A plateia aplaudiu com hesitação. O pombo, impassível, limpava as penas com desdém e passava entre as pessoas na tribuna como quem diz: ” me toquem”.
E a mensagem? Ora, foi clara. O pombo não voou porque sabia que aquele voo era só teatro. Ele entendeu – antes de todos – que nenhuma paz se declara por decreto, muito menos quando o povo ainda luta por pão, por dignidade e por silêncio nas noites. O pombo, naquele momento, foi o único ali com coragem de não fingir.
E como será tratado? Talvez o prendam. Talvez o façam desaparecer. Talvez digam que morreu de causas naturais, como tantas outras verdades nesse solo.
Mas ele já entrou para a história. Não como símbolo da paz – mas como o pombo que se recusou a mentir com as asas.
JÚNIOR RAFAEL OPUHA KHONLEKELA
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