Balama: um barril de pólvora rodeada por labaredas
Um misto de riquezas naturais abundantes, injustiças, brutalidades diversas, violações, incluindo sexuais, presença no mesmo local de homens armados hostis [regulares e informais] e uma apartação efectiva das autoridades estabelecidas tornam o distrito de Balama num barril de pólvora rodeada por labaredas.
A Reportagem do jornal Redactor esteve recentemente em Balama, na província nortenha moçambicana de Cabo Delgado, concretamente na área onde está activa a Twigg Exploration & Mining, subsidiária integral da Syrah Resources Limitada, onde recolheu relatos simplesmente arrepiantes.
O primeiro sinal anormal que à data da nossa passagem pelo site da TWIGG em Balama saltava à vista era a presença de “guaritas” montadas por elementos das Forças de Defesa e Segurança (FDS) moçambicanas e a escassos metros outras pertencentes aos Naparamas, guerreiros tradicionais constituídos por homens munidos de objectos contundentes.

Os efectivos das FDS – estatais e equipados com artefactos militares convencionais – estão no local para garantir a segurança da mineradora, enquanto os Naparamas [informais, mas com aparente apoio dos nativos] alegam estar ali para proteger e assegurar os interesses da população local.
Salvo esporádicos episódios – quando se tem de cumprir ordens superiores expressas –, a “coabitação” entre as duas “forças” é de equidistância e pacífica, apesar de o ambiente ser de “cortar à faca”, segundo relatos dos populares recolhidos pela nossa Reportagem no local.
Já o mesmo não se pode dizer dos episódios que ocorrem para além das imediações das “guaritas”: há relatos, na primeira pessoa, de mulheres – que deixaram as respectivas identificações ao jornal Redactor – violadas sexualmente, em alguns casos na presença dos respectivos filhos, por indivíduos trajados com uniformes das FDS, com enfoque para elementos da Unidade de Intervenção Rápida (UIR).
A ocorrência destas violações é confirmada pela a Direcção Distrital da Acção Social de Balama, que, no entanto, afirma a sua reacção a estas se limita ao apoio psicossocial às vítimas.
“Tomamos conhecimento porque quando as cinco mulheres foram violadas, como procedimento normal, primeiro foram encaminhados à PRM [Polícia da República de Moçambique] que por sua vez encaminhou os casos à nossa Direcção. Tivemos, contudo, dificuldades para dar acompanhamento aos casos, por falta de meios de transporte que muitas vezes eram destinados a outras actividades”, admitiu Dulce Quiase, técnica da Acção Social em Balama.
Ante esta aparente impotência dos serviços sociais governamentais e da prevalência das brutalidades e sucessivas violações dos mais fundamentais direitos dos cidadãos, os elementos da comunidade pouco podem fazer. “Não temos sequer um advogado que nos represente, o Estado não indicou a ninguém e nós não temos condições”, lamenta Tobias António, representante dos nativos e antigo trabalhador da Twigg (Redactor N° 6070, págs. 1 e 2).
As alegadas “injustiças” se manifestam, também, através das diferenças abismais nos ordenados entre os nativos – largamente empregues em tarefas serviçais dos colaboradores de TWIGG oriundos de fora de Balama [vide imagem de destaque, na capa desta edição].
Quando o lobo se torna juiz

Debalde se assiste às sucessivas mexidas legais. Houve alterações à Lei 18/2014, denominada, Lei de Minas em 2022, pela Lei nº 15/2022, de 19 de Dezembro, que alterou o artigo 20 da Lei de Minas, aumentando para 10% a parcela das receitas fiscais destinadas ao desenvolvimento local, signifique que os dispositivos legais são honrados.
Desses 10%, 7,25% são, nominalmente, alocados para projectos estruturantes a nível provincial e distrital em benefício das comunidades.
Como jocosa e inteligentemente comentam alguns dos habitantes de Balama, parafraseando um velho ditado africano, “quando o lobo se torna juiz, as ovelhas não têm direito”.
Os dados que não mentem

Os dados da Iniciativa de Transparência da Indústria Extrativa (ITIE) de 2023 dão conta de que no âmbito dos 2.75%, determinados por lei para o desenvolvimento local dos locais afectados pela exploração, o distrito de Balama recebeu 2,3 milhões de meticais em 2021 e não teve nenhum dividendo em 2020, apesar de a exploração de grafite ter iniciado em 2017 o que contradiz com a afirmação da TWIGG.
Como não podia deixar de ser, o chefe da localidade de Mualia, António Adamo, mostra-se insatisfeito, com o quadro em presença e com a qualidade da infraestrutura e disse que esta não corresponde a o que lhes foi prometido e que as cinco salas de alvenaria não são suficientes.
Nas 55 escolas locais, a qualidade de ensino é nitidamente uma miragem. “Há casos de turmas com cerca de 150 alunos”, de acordo com Abílio Manuel, Director interino da Escola Básica de Mpaka.
“Desde que [os da TWIGG] estão aqui há mais de oito anos, nunca recebemos nenhum tipo de apoio, as acções que tem beneficiado a escola, derivam de outros projectos sociais implementados na zona”, desabafa o quadro do sector da Educação.
Fracassaram redondamente todos os nossos esforços para obter uma entrevista com a Direcção Distrital de Educação de Balama.
Face a este quadro, no qual nem aos grisalhos se respeita, não restam dúvidas que Balama-sede e aldeias de Mualia, Mpirira, Ntete, Mpaka, N´cuide se apresenta mesmo como um barril de pólvora rodeada por labaredas, caso quem de Direito não mexa palha, tempestivamente.
STÉLVIO MARTINS (Texto e fotos)
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