Reformas com relojoaria política: como o parlamento pode não falhar

A implementação do Compromisso Político para um Diálogo Nacional Inclusivo, aprovado pela Lei n.º 1/2025 e com um horizonte de execução de 24 meses, impõe desafios significativos ao calendário político e legislativo moçambicano. Embora o plano estabelecido pareça tecnicamente exequível, a realidade institucional do país, especialmente no que respeita à Assembleia da República, exige uma análise cautelosa do que está em causa.

Desde logo, cumpre recordar que o Parlamento moçambicano funciona em duas sessões ordinárias por ano: a primeira, de Fevereiro a Maio; e a segunda, de Outubro a Dezembro. Neste momento, a primeira sessão de 2025 já encerrou, o que significa que a maior parte das actividades políticas e legislativas previstas até Outubro terão de ocorrer fora do período ordinário, o que acarreta riscos de adiamento ou custos acrescidos caso se opte por sessões extraordinárias.

A constituição da Comissão Técnica e a subsequente contratação da consultoria especializada deverão decorrer nos próximos meses, durante o recesso parlamentar. A fase seguinte, de constituição dos grupos de trabalho e elaboração dos termos de referência, coincidirá com o início da segunda sessão ordinária do Parlamento, em Outubro. Será também nesse período que se espera o início das discussões mais estruturadas sobre os temas centrais do Compromisso.

Ora, os temas são vastos e complexos. Falamos de reformas constitucionais, do sistema de justiça, da administração eleitoral, da defesa e segurança, da administração pública, da política fiscal, da gestão dos recursos naturais, da reconciliação nacional e da inclusão económica. Cada um destes eixos exige não apenas reflexão técnica, mas também articulação política e, em vários casos, revisão legislativa.

É aqui que o Parlamento entra em cena com um papel determinante, mas também limitado pela sua própria estrutura de funcionamento. As propostas que envolvam revisão da Constituição, da Lei Eleitoral, da Lei da Administração Pública, entre outras, terão necessariamente de ser apreciadas e aprovadas pela Assembleia da República. E, para que isso aconteça dentro do calendário previsto – com encerramento do ciclo até Abril de 2027 – será preciso garantir que tais propostas estejam prontas, harmonizadas e politicamente consensualizadas até ao final de 2026, ou seja, até à segunda sessão ordinária desse ano.

A pressão é ainda maior quando se tem em vista o ciclo eleitoral que se avizinha. Em 2028, o país realizará eleições autárquicas. Em 2029, terão lugar as eleições gerais, incluindo presidenciais e legislativas. Qualquer reforma do sistema eleitoral terá de estar concluída com antecedência suficiente para ser implementada com legitimidade, segurança e previsibilidade. Isso implica ter a nova Lei Eleitoral aprovada até, no máximo, o início de 2027, o que obriga a acelerar o processo de debate e aprovação já em 2026.

Este cenário coloca o Parlamento diante de um dilema operacional: ou ajusta a sua agenda com rigor e eficiência para acomodar a avalanche legislativa que se avizinha, ou correrá o risco de comprometer o próprio espírito do Compromisso Político, falhando na sua implementação tempestiva. Se não houver uma estratégia clara de gestão do calendário legislativo, será inevitável recorrer a sessões extraordinárias, com todos os encargos e tensões políticas que isso pode implicar.

Mais do que aprovar leis, a Assembleia da República deve assumir um papel proactivo de acompanhamento, fiscalização e facilitação do processo. Isso passa, por exemplo, pela criação de uma Comissão Parlamentar de Acompanhamento, que possa funcionar mesmo durante os recessos parlamentares e servir de ponte entre os trabalhos técnicos e o plenário. O Parlamento não pode ser apenas o palco final de votação; deve ser parte activa na construção de consensos e na antecipação dos bloqueios que podem adiar o processo.

O desafio está lançado: é preciso transformar um calendário formal em realidade política. Para tal, exige-se não só compromisso institucional e cooperação interpartidária, mas também uma gestão estratégica do tempo e das prioridades. Num país onde o tempo político nem sempre obedece ao tempo legal, será a Assembleia da República quem terá de provar que está à altura do momento histórico que o país decidiu trilhar.

Calendário proposto com datas concretas

EtapaPrazo estimadoData concreta
Criação da Comissão TécnicaAté final de Junho de 202530 de Junho de 2025
Contratação da ConsultoriaJulho de 202531 de Julho de 2025
Constituição dos Grupos de TrabalhoAgosto – Setembro de 202530 de Setembro de 2025
Validação dos Termos de ReferênciaOutubro – Novembro de 202530 de Novembro de 2025
Actividades dos Grupos de TrabalhoDezembro 2025 – Outubro 202631 de Outubro de 2026
Discussão e Consolidação das PropostasNovembro – Dezembro de 202615 de Dezembro de 2026
Submissão às LiderançasDezembro de 202622 de Dezembro de 2026
Remessa ao ParlamentoFevereiro de 202728 de Fevereiro de 2027
Aprovação Final pela AssembleiaMarço – Abril de 202730 de Abril de 2027

EGÍDIO VAZ — Historiador & Estratega de Comunicação | egidiovaz.com

Para ver a revista Prestígio de Maio/Junho de 2025 clique

https://shorturl.at/kQzFO

Siga nos no Facebook e partilhe

https://www.facebook.com/Redactormz
Compartilhe o conhecimento
  •  
  •  
  •  
  •  
  •  
  •  
  •  
  •  

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *