O conselho da continuidade

Esta reflexão propõe uma análise crítica da nomeação de Alberto Chipande e outras figuras ao Conselho de Estado de Moçambique, à luz da reprodução de elites políticas e da falta de renovação democrática. A partir de uma crônica reflexiva, discutimos os impactos da permanência de figuras históricas no centro do poder, problematizando os limites da representatividade e os riscos da estagnação política no contexto moçambicano.

De acordo com o jornal O País, por despachos presidenciais emitidos separadamente, foram recentemente designados como membros do Conselho de Estado de Moçambique: Alberto Joaquim Chipande, Graça Simbine Machel, Eduardo Silva Nihia e Felizarda da Boaventura Paulino. O anúncio, feito em tom solene, parece ignorar uma interrogação que paira há décadas sobre a história política do país: o que representa, de facto, a presença de figuras como Chipande em espaços estratégicos de aconselhamento presidencial? A resposta, para quem observa com atenção, pode ser amarga.

Alberto Chipande é mais do que um nome; é um símbolo. Foi ele quem, segundo a narrativa oficial, disparou o primeiro tiro da luta armada de libertação em 1964. Mas a sua trajectória não se encerra nesse marco. Após a independência, consolidou-se como figura central da elite governante da FRELIMO, acumulando poder em diferentes frentes e resistindo ao tempo e às transformações políticas como poucos o fizeram.

A pergunta que não cala é: o que tem a aconselhar ao chefe de Estado alguém cuja visão está fortemente ancorada em um passado de hegemonia política e silenciamento de dissidências? O Conselho de Estado deveria ser um órgão de pluralidade e reflexão estratégica nacional, mas corre o risco de se transformar numa câmara de eco onde os ecos do passado abafam os clamores do presente.

Não se trata de desprezar o valor histórico de figuras como Chipande, nem de desconsiderar a experiência de Graça Machel ou a presença de novos nomes. Trata-se de confrontar uma prática política moçambicana que insiste em reciclar os mesmos rostos enquanto ignora o vigor das novas gerações, as vozes das periferias, os saberes comunitários, os corpos que resistem diariamente ao autoritarismo, à pobreza e à corrupção. A nomeação de Chipande é sintomática de uma política que se agarra à nostalgia revolucionária enquanto se distancia do povo que deveria representar.

É legítimo perguntar: como se pode aconselhar um presidente sobre os rumos do país quando se tem um currículo entrelaçado à fundação do próprio regime que hoje enfrenta acusações de falência ética, de esvaziamento democrático e de captura do Estado por interesses particulares? Que nova visão se pode esperar de quem simboliza a velha ordem?

Mais do que uma nomeação, a entrada de Chipande no Conselho de Estado soa como uma pretensão da podridão do próprio Estado – uma tentativa de blindar um sistema político que recusa se reinventar. É como se o país vivesse uma eterna prorrogação do passado, como se a história fosse um ciclo viciado em repetições, onde o velho poder se apresenta como sabedoria quando, na verdade, é medo de perder o controle.

Enquanto isso, a juventude vê-se desempregada, a imprensa amordaçada, os activistas perseguidos e a sociedade civil descredibilizada. E o futuro, este sim, sem assento no Conselho.

No fundo, o que se perpetua com esse tipo de nomeação não é apenas um rosto histórico, mas uma lógica de exclusão que sufoca a renovação política. A questão já não é quem são os conselheiros, mas quem nunca será convidado a aconselhar. E isso diz muito sobre o tipo de democracia que ainda estamos a tentar construir em Moçambique.

A análise acima dialoga directamente com a crítica de Achille Mbembe (2011) ao “pós-colonialismo autoritário” nas democracias africanas, onde o poder é centralizado em elites que controlam o acesso ao Estado como uma propriedade privada. Segundo o autor, essas elites criam um “arquivo de legitimidade” baseado na luta de libertação que impede qualquer processo real de alternância.

Para Boaventura de Sousa Santos (2006), esse fenômeno está ligado ao que ele chama de “sociologia das ausências”, onde saberes e sujeitos políticos são sistematicamente invisibilizados pelo sistema hegemônico. A juventude moçambicana, os movimentos sociais e os intelectuais críticos estão frequentemente ausentes das instâncias decisórias do país.

Do ponto de vista da teoria da elite política, autores como Vilfredo Pareto e Gaetano Mosca já apontavam que toda sociedade tende a formar uma classe dirigente que se perpetua. No contexto africano, essa elite pós-independência assume um papel conservador, muitas vezes contrário aos princípios de justiça social que defenderam durante a luta antecolonial

JÚNIOR RAFAEL OPUHA KHONLEKELA

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