Escândalo financeiro
A incorporação nas contas públicas oficiais dos USD 1,4 mil milhões de empréstimos escondidos marca um importante passo no escândalo financeiro que colocou Moçambique em ‘default’ e cortou o financiamento internacional ao país.
No Parlamento, o primeiro-ministro argumentou no final da semana passada que a colocação das dívidas de USD 1,4 mil milhões nas contas do Estado de 2015 era a melhor maneira de garantir a fiscalização destes empréstimos, que no último ano têm sido presença assídua nas páginas da imprensa económica internacional.
Em Fevereiro do ano passado, nas vésperas da reestruturação da dívida da Empresa Moçambicana de Atum (Ematum), os investidores e as agências de ‘rating’ começam a aperceber-se das dificuldades financeiras do país em honrar os compromissos financeiros.
O Governo apresenta uma proposta que troca as obrigações da Ematum por títulos de dívida soberana, prometendo taxas de juro anuais mais elevadas em troca de um alargamento no prazo de pagamento do empréstimo de 2020 para 2023, com o argumento de que isso daria tempo para que as receitas do gás chegassem aos cofres do Estado.
O que se seguiu, no entanto, foi um conjunto de notícias financeiras negativas para Moçambique, a começar pela divulgação, em Abril, pelo Wall Street Journal, de um empréstimo contraído em 2013 pela Proindicus, no valor de USD 622 milhões.
Os credores internacionais e o Fundo Monetário Internacional cortam o financiamento ao país e o Governo assume que há mais dois empréstimos não divulgados, um feito pela Mozambique Asset Management, em 2014, no valor de 535 milhões de dólares norte-americanos, e ainda um terceiro, contraído pelo Ministério do Interior, no valor de 221 milhões de dólares norte-americanos.
Ainda em Abril do ano passado, é também conhecido o prospecto confidencial preparado pelo Ministério das Finanças, que coloca a dívida total prevista para 2015 em USD 11,1 mil milhões, ou seja, USD 1,6 milhões acima dos números oficiais até então.
O número coloca o rácio da dívida pública face ao PIB perigosamente perto dos 100%, e muito acima do limite que o FMI admite para emprestar dinheiro a Estados sobreendividados.
O caso salta da esfera económica para a esfera política e o Governo começa a ser fortemente criticado não só por os empréstimos terem sido feitos à revelia dos doadores internacionais, mas também da Assembleia da República, o que os torna ilegais.
Já no final do primeiro semestre, a dimensão do problema torna-se ainda mais clara: sem ajuda financeira externa e com as contas públicas fortemente afectadas pela conjuntura internacional, nomeadamente os preços baixos das matérias-primas, o abrandamento da economia chinesa e o adiamento das decisões de investimento pelas petrolíferas, Moçambique enfrenta uma crise de divisas e um aumento dos preços generalizado.
O FMI exige uma auditoria internacional à dívida antes de retomar as negociações sobre ajuda financeira e, em Outubro, o Governo resolve mudar de estratégia: assume num encontro com investidores, em Londres, que não tem dinheiro para pagar as dívidas internacionais e exige uma reestruturação das condições de pagamento.
Os credores reagem mal e cria-se um braço de ferro que se prolonga há seis meses, e que só deverá ser quebrado quando a auditoria entretanto encomendada à consultora Kroll for divulgada, o que pode acontecer só no verão, já que a Procuradoria-Geral da República também conduz a sua investigação, que pelas notícias divulgadas, incide também sobre o atual Presidente da República, que era ministro da Defesa quando as empresas públicas realizaram os empréstimos escondidos.
Com o falhanço, já em Janeiro deste ano, do pagamento da primeira prestação dos ‘eurobonds’ que foram emitidos por troca das obrigações da Ematum um ano antes, Moçambique entra em ‘default’ e as agências de ‘rating’ descem a avaliação do crédito soberano, o que, na prática, impossibilita o país de aceder aos mercados financeiros, não só pelas altas taxas de juro exigidas, mas também pelo histórico de não pagamento.
O debate a nível internacional toca também noutro ponto: como foi possível duas empresas públicas receberem mais de mil milhões de dólares de investidores internacionais sem que o negócio tenha sido noticiado, e sem que os investidores se acautelassem face às condições financeiras dessas empresas?
Várias ONG e alguns movimentos políticos defendem que Moçambique não deve pagar a dívida, porque é ilegal, e as autoridades financeiras dos Estados Unidos, Reino Unido e Suíça investigam também a atuação dos bancos intermediários – o Credit Suisse e o russo VTB – nestas operações.
O Governo, no entanto, assume que quer pagar a dívida, mas em melhores condições,mas enfrenta a resistência dos credores.
Redacção