Carta aberta ao PR

Carta aberta ao Presidente da República. Excelência! Pensei muito se devia ou não lhe escrever esta carta. Senão estaria a aumentar-lhe estresse. Compreendo que tem em cima da mesa muitos problemas por resolver. Sei que está preocupado com o assunto das dívidas ocultas que, de certa forma, prejudicaram a sua governação.

Com a sua descoberta, Moçambique perdeu o apoio da comunidade internacional ao Orçamento Geral do Estado. O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional também ficaram longe.

Sei, senhor presidente, que o senhor não apanha sono porque os seus patrões em Manica e Sofala são atacados sistematicamente por membros da Junta Militar da Renamo, comandada pelo general Mariano Nhongo, o inflexível, segundo a ONU. Matam, destroem e roubam bens públicos.

Estou consciente da sua preocupação em relação aos ataques em Cabo Delgado atribuídos a terroristas que, segundo o senhor disse noutro dia, estão a ser manipulados para servirem a elites internas e externas.

Quase não lhe escrevia esta carta quando pensei que, se calhar, não era um bom momento porque tinha muito que pensar nestes e noutros problemas ainda sem resposta. Soluções que tardam a aparecer, apesar de noites e noites em claro a tentar descobrir saídas para os mesmos.

Quase desistia ao pensar que está sob pressão para relaxar algumas medidas restritivas e permitir o regresso do país à nova normalidade, numa altura em que a subida galopante de casos de infecções com o coronavirus exige o agravamento das mesmas na tentativa de cortar cadeias de transmissão.

Foi conversando com os meus botões que acabei chegando à conclusão de que o melhor seria mesmo escrever para estar bem comigo mesmo. Para que, como cidadão atento e preocupado com o que se passa no país, contribua, quem sabe, para a melhor visão sobre o que lhe quero falar.

Senhor Presidente, Excelência;

Eu resolvi escrever-lhe esta carta para exprimir a minha preocupação quanto ao movimento tendente à reabertura das igrejas. Será, mesmo, boa ideia levantar a proibição dos cultos, senhor presidente?

Para começar os líderes religiosos estão a cometer os mesmos erros que da Educação. De correr atrás da galinha com o sal na mão. Porque é que pedem a retoma antes de fazer um trabalho de casa como deve ser, verificando se, efectivamente, há ou não condições para o efeito?

Onde está um estudo profundo da situação que avalia os prós e os contras e que possa ajudar ao Governo e a todos nós a entendermos melhor a essência do pedido e a quem de direito tomar melhor decisão? O que vemos é um trabalho de lobby no sentido de convencer ao Presidente da República a dizer “sim”.

Pensei que a transmissão das missas através de canais de televisão, particularmente aos domingos, fosse algo para durar. A forma de ser e estar das congregações religiosas até decisão contrária.

Senhor presidente, Excelência;

O argumento que os líderes religiosos apresentam parece-me pouco convincente ou, pelo menos, não é suficiente para forçar uma decisão favorável ao seu pedido. Pegam-se em coisas básicas como a garantia da colocação de baldes com água e sabão à porta da igreja, distanciamento social e o uso da máscara.

Se isso bastasse, então não teria sido necessário o Governo mandar fechar os locais de culto quando os casos de infecções começaram a crescer no país. Está claro que há alguns problemas de profundo que podem contribuir para a propagação do vírus.

Uma dessas situações é que faz parte do estilo de algumas igrejas o contacto físico entre os crentes e estes com os pastores durante a missa. Essa prática, nos dias de hoje, é perigosa e não recomendável porque pode levar à contaminação entre as pessoas.

Há o caso das correntes que são feitas em que toda a igreja fica de mãos dadas enquanto o pastor prega.  O contacto físico é igualmente inevitável, sobretudo nas igrejas protestantes, quando alguém manifesta em plena oração, encarnando “espíritos maliciosos”, em missas específicas de “libertação”, com o envolvimento de pastores e obreiros.

Senhor presidente, Excelência;

O Senhor tem a consciência de quantas igrejas existem em Moçambique? Claro que não. Nem eu tenho. Andam aos milhares. Agora pegou moda qualquer um abrir uma igreja na sua casa ou ao lado. O segredo está na caça aos dízimos. Alguns saem-se bem e ganham dinheiro com isso.

Para terem popularidade, essas congregações usam meios de comunicação social como jornais e canais de televisão. Produzem cartazes ou panfletos a dizerem que curam o SIDA e outras doenças sobre as quais a ciência ainda não tem resposta. Outros enchem a sala através de milagres atrás de milagres. Seria tão bom que as doenças fossem curadas com uma simples oração.

Como pode imaginar, a maior parte dessas igrejas actua fora da lei. Os seus donos não só não estão licenciados pelo Ministério da Justiça Assuntos Constitucionais e Religiosos, como não têm qualquer formação em teologia para estarem em frente de uma congregação religiosa. Eis a razão por que temos hoje muitos charlatões no país.  

Excelência;

O Senhor não acha que as condições exigidas para autorizar a abertura de uma igreja são simples demais? Juntar 600 assinaturas é muito pouco para termos qualidade. Igrejas que podemos respeitar pelo seu papel na educação e moralização da sociedade. Parece que vamos passar para 16 mil. Mesmo assim, o número continua baixo.

Alguns países do mundo exigem que o pedido para a abertura de uma igreja seja acompanhado por 600 mil subscritores. Como se isso não bastasse, o proponente tem que provar, através de um diploma ou de um certificado que é doutorado em teologia.

Uma decisão sobre a retoma dos cultos religiosos vai significar, também, a reabertura deste tipo de igrejas. O mais grave é que algumas delas não têm as mínimas condições para o funcionamento, como água canalizada e casas de banho condignas, o que representa um risco de propagação de coronavirus.

Uma vez levantada a proibição, quem vai proibir que este tipo de cultos regresse à normalidade se eles em si já são ilegais? Como é que o Estado vai garantir que eles são fiscalizados e que cumprem com as medidas de prevenção contra o coronavirus se não há nenhum registo sobre a sua existência e localização?

Todos gostamos de rezar. Creio que o Senhor também. Ansiamos regressar às nossas igrejas onde fomos baptizados e crismas, onde foi celebrado o nosso casamento. Locais de culto onde louvamos a Deus, salvador da humanidade, mas temos que esperar pelo melhor momento. Temos que aguardar até que a retoma não represente nenhum perigo para todos nós e que a decisão seja de consenso.

Enquanto isso, cada um vai rezando no seu canto porque, afinal, igreja não significa um espaço físico, mas pessoas e o resto, segundo os próprios líderes religiosos, é uma questão da fé.

ALEXANDRE CHIURE

Este artigo foi publicado em primeira-mão na versão PDF do jornal Correio da manhã, na sua edição de 07 de Julho de 2020, na rubrica OPINIAO

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