Crédito para a agricultura (II)

Manuel Vaz, Professor Doutor em Economia, docente da Faculdade de Economia do Porto, Portugal, quando veio à então Faculdade de Economia da Universidade de Lourenço Marques, em Setembro de 1972, ensinou a nós, caloiros do Curso de Economia, na disciplina com este nome, que “problemas estruturais causadores de mau funcionamento da economia só podem ser resolvidos com eficiência com soluções estruturais”. Soluções conjunturais são “aspirinas paliativas”. Estas, para além de adiarem a verdadeira cura, criam no “paciente” o chamado fenómeno da habituação ao falso ou fraco medicamento. É conhecido o nosso comportamento da auto e má medicação de tentarmos curar o paludismo – hoje chamam-no de malária – com o “paracetamol”. No lugar de mudar a estrutura do motor do carro pequeno, pomos mais gasolina, na vã tentativa que ele ande mais célere.

África, nosso continente querido, comete desde o advento das suas independências este erro crasso de tentar resolver os problemas estruturais emperradores do bom andamento das suas economias com soluções conjunturais. Os países endividam-se (alguns de boa-fé) pensando que as suas economias não andam por falta de dinheiro. Problemas económicos mal diagnosticados são fonte de muitas situações conducentes à actual quase gangrena económica para a qual alguns dos nossos países estão ameaçados a resvalar.

Porque, em África, pensamos que o nosso maior mal está na falta de dinheiro, estendemos as nossas mãos à “caridade” vinda do estrangeiro, recebendo quantias avultadas de dinheiro. Mas como não sabemos para que precisamos de tais enormes somas de numerário, alimentamos a inflação, gerando uma espiral de Procura (DDemand ou P – Procura) por bens e serviços sem a devida correspondência nem proporcionalidade na Oferta (SSupply ou O – Oferta). Engasgamo-nos de dívida. Matamos as capacidades nacionais de produzir bens e serviços. Viramos a consumidores, por excelência e muita paixão de coisas que não produzimos, que não são nossas, que vêm de fora, itens importados e, algumas vezes, e/ou, quase sempre, supérfluos. Uma certa elite, de onde emerge, alguma “nomenklatura” governativa, embarca na luxúria, esbanjamento, consumo exagerado de produtos e serviços “made in abroad” (importados).

A economia assim aleijada abre espaço a aceitarmos créditos leoninos, dados, sem a devida sinalagma – livre expressão e vontade de negociar. As chamadas instituições bilaterais impõem-nos empréstimos cujas cláusulas dos contratos de mútuo são desiguais, desonestas e péssimas para os países devedores.

Face a esta panóplia de falsas soluções conjunturais para resolver problemas estruturais, uns, herdados dos centenários colonialismos, e outros, pelas nossas incipientes governações agravados, pouco ou nenhum espaço sobra para pensarmos calma, cuidadosa e pensadamente em programas e planos conducentes ao desenvolvimento da nossa agricultura. Quando falo em agricultura, sou defensor de uma agricultura completa. Entenda-se por “completa” aquela agricultura que não exclua o machambeiro rural, que é a maioria do nosso produtor agro-pecuário. Tão pouco quero dizer que não apostemos na agricultura empresarial, de grande dimensão, mecanizada.

Neste exercício de o continente africano esforçar-se por mudar o paradigma do desenvolvimento da nossa agricultura não deveremos perder de perspectiva que África possui 202 milhões de hectares de terras aráveis, mas apenas utiliza 20% das mesmas. Portanto, há 80% de terra arável por utilizar, e isso significa que podemos dizer que África tem potencial para se alimentar não só a si mesma, mas também para alimentar todo o mundo. Imaginem-se as riquezas potenciais por serem (se forem) bem exploradas apenas nos vales dos rios Nilo, Congo/Zaire e Zambeze. África explodiria! Prefiro dizer que África explodirá de fartura!

Mas, por causa, perdoem-me pela insistência nesta tecla, de um gravíssimo problema estrutural que se chama inexistência de uma educação de qualidade de África e para África, jamais teremos os nossos países desenvolvidos, por também possuírem uma agricultura desenvolvida.

Concluiremos, reiterando, que o crédito é uma das soluções que poderá ser utilizada para a emancipação da nossa agricultura em África.

ANTÓNIO MATABELE

Este artigo foi publicado em primeira-mão na versão PDF do jornal Redactor, na sua edição de 22 de Setembro de 2023, na rubrica de opinião intitulada N’siripwiti – gato do mato.

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