Democracia
Isto de democracia “made in west” faz-me lembrar o comportamento de “símios de imitação” a que éramos obrigados a assumir durante o colonialismo. Este “macaqueamento” comportamental dos povos colonizados pela Europa atingiu o seu cume máximo com a decretação de dois estatutos para a mesma pessoa do colonizado. O estatuto do indigenato e o da assimilação.
Com efeito, deparo-me com remoto paralelismo entre aquelas duas imposições discriminatórias e atentatórias à nossa dignidade, como esta de agora termos de ser democratas à moda europeia ou americana ou asiática.
Mas o mais caricato é que esta receita à moda ocidental é somente recomendada aos países africanos. Similar recado já não é dado aos países asiáticos, árabes e latino-americanos. Continuamos, no triste dizer do Professor Doutor António de Oliveira Salazar, então Primeiro-ministro de Portugal, a ser aquelas crianças grandes que era preciso tutelar durante os próximos duzentos anos, contados a partir da década de sessenta, do século e milénio findos, quando o advento das independências africanas começou a ocorrer. Isto significa que somente no ano de 2160 África estaria minimamente capaz de ficar independente do jugo colonial. Eis, talvez, o motivo por que o Ocidente ainda pretende continuar a tutelar-nos impondo-nos modelos democráticos “alienígenos”.
O estatuto do indigenato fazia a legalização da discriminação exercida contra os pretos durante a colonização portuguesa. Definia os direitos, mas, sobretudo, os deveres, dos indígenas das colónias portuguesas, expressos em vários diplomas legais.
O estatuto do assimilado compreendia um conjunto de princípios legais que conferia aos pretos o direito de “ascensão” ao nível social, cultural e nem sempre económico parecido ao dos brancos colonizadores. Em macua dizia-se que estes pretos transformavam-se em “mucunha orripa” (branco preto). Aos assimilados era-lhes incutida a convicção psicológica que, apesar de continuarem com a pele de cor preta, eles eram brancos. Ensinava-se-lhes a assumirem comportamento distanciado dos seus irmãos pretos. Eram domesticados a negar a sua cultura ancestral. Eram encorajados a não falarem a sua língua materna. Já tinham o direito de estudarem em escolas públicas. Já tinham um Bilhete de Identidade igual ao do branco, deixando, portanto, de usar a caderneta de identificação de 32 folhas. Já podiam ter acesso a clubes frequentados por brancos. Podiam concorrer ao exercício de funções em alguns lugares da administração pública colonial. E, em troca deste comportamento artificial, o governo prodigalizava algumas regalias aos pretos assimilados.
Mas o que eram, exactamente, os assimilados? “Os assimilados eram indivíduos originários de territórios colonizados que adquiriam o estatuto jurídico da população colonizadora durante a época colonial. Para obter esse estatuto, eles precisavam de atender a requisitos como saber ler e escrever, vestir-se e professar a mesma religião que os portugueses, além de manter padrões de vida e costumes semelhantes aos europeus. A lei visava à ‘assimilação dos indígenas na cultura colonial ocidental, permitindo-lhes usufruir de direitos que antes eram vedados aos não assimilados” (Google, 19/06/2024).
Porém, nem sempre estas teorias do indigenato e da assimilação coincidiam com a gestão prática dos processos. O jornalista proto-nacionalista João Albasini conta no jornal “O Africano” de 4 de Dezembro de 1911 que um administrador colonial “castigou uma vez um preto por se apresentar de casaco e calças a um batuque” (página 136, do livro intitulado João Albasini e as luzes de Nwandzengele). Isto é, o comportamento do indígena e do assimilado nunca deveria extravasar para fora das balizas que lhes estavam impostas.
Ora’, as democracias que o Ocidente nos tem estado a impor em África nos períodos pós-independência têm algumas semelhanças com aqueles dois estatutos. Por um lado, o Ocidente obriga-nos a assumirmos comportamentos políticos de sociedades primitivas. Nestes casos, acusam-nos de não sermos democráticos, sermos incivilizados, selvagens e etc.. E quando tentamos vestir a camisa democrática segundo o figurino que nos é imposto pelo Ocidente e algo fica desajustado cumulam-nos com uma série de acusações que, na prática, em nada diferem das primeiras.
Julgo ter chegado o momento de a União Africana capitanear um debate, genuinamente africano, no sentido de o nosso continente encontrar a sua própria democracia.
Estou convicto que não há um modelo de democracia universal-padrão, válido para todos os países de todos os continentes.
A democracia de um país da Europa ocidental não tem de ser necessariamente igual à de um país africano. A boa governação democrática terá de, necessariamente, diferir de país para país. Todos os países africanos deveriam esforçar-se para conformarem a sua governação democrática segundo o tenuemente plasmado no relatório intitulado Mecanismo Africano de Revisão de Pares – MARP. Este documento, de distribuição gratuita, acha-se disponível em Moçambique no Ministério da Economia e Finanças, à guarda do Dr. Mateus Matine, 82.394.9240, msmatine@yahoo.com
* Economista
Este artigo foi publicado em primeira-mão na versão PDF do jornal Redactor, na sua edição de 21 de Junho de 2024, na rubrica de opinião denominada N’siripwiti – gato do mato.
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