Deslocando-se

Deslocando-se para um lugar incerto

… De repente começaram a disparar…. “praprapra…tri,tri,pra…’’. Ao sonido das metralhadoras e bazucas, lembrava-me das guerras que alguns países vizinhos enfrentavam, para alcançar a sua independência.

Os disparos continuavam fertilizando-se naquela noite, quando eu, dentro da minha palhota ouvia choros e gritos de aflição. Ouvia como se a terra estivesse a desmoronar-se. Sentia como se os estilhaços de vidros estivessem a vir de todos os lados: tudo parecia um final do mundo.

Ouvia estrondos de armas de um lado para outro e vice-versa, e vozes ameaçadoras dizendo ‘’saiam já para longe todos moradores desta aldeia!’’. Olhei para o lado da minha cama e confirmei que a minha mulher e filhos estavam todos bem. Tentei aproximar a porta da minha palhota e sentia a propalação do som de pés descalços correndo num único sentido, de quem vai (e não volta).

Decidi manter acordada a minha mulher assim como os meus três filhos que na verdade já estavam aflitamente acordados. Concluí que estávamos perante um ambiente de guerra. (Deslocando-se)

Abri cuidadosamente a porta traseira da casa e cautelosamente, eu e a minha família, colocamo-nos a correr em direcção às matas. O tumulto era intenso para toda a população da minha aldeia. Víamos homens com armas e catanas, mascarados como se estivessem a proteger-se contra a covid-19, mas neste caso, protegendo até os cabelos. Os mesmos disparavam sem cessar e em todas direcções. A população corria de igual modo, todas direcções, num movimento de vaivém: quase que não havia para onde fugir.

Aí corríamos de quilómetro em quilómetro, sem encontrar água para beber e nem sequer algum alimento.

O raiar do sol começou, e o ruído das armas foi baixando na medida em que nos distanciávamos da aldeia. A fome e a sede eram maiores necessidades que tínhamos naquele momento. A fadiga levou-nos a ter que descansar numa mata bem fechada, extremamente coberta de árvores, mas, mesmo assim, sem segurança. Não sabíamos para onde estávamos a ir e, nem quem estávamos a fugir. Tudo que queríamos era sair daquela zona de disparos.

Depois de um desconfortado descanso, apareceu uma família vizinha de lá na aldeia, composta na sua maior parte, por jovens. E um destes jovens disse-nos:

Vizinhos, temos que sair desta zona, os homens armados estão vindo a trás de nós.

Na verdade, minutos depois, deparamo-nos com eles enquanto saíamos do esconderijo, dizendo que devíamos abandonar a zona e procurar outros lugares para viver. Quando nos pusemos a sair daquele lugar, os homens começaram a disparar ao ar. De longe via várias palhotas a fumegar. E já não se via o nosso único Centro de Saúde: estava demolido. Idem o banco (para transacções financeiras) assim como os postes de energia eléctrica estava ardendo de fogo e, alguns já não se viam.

O jovem vizinho, disse-nos que depois da nossa fuga, lá atrás os mesmos homens armados degolavam às pessoas que se colocavam a desafiar-lhes. (Deslocando-se)

Não tardou que o som dos disparos começou a aproximar novamente. Continuamos todos a correr para uma direcção incerta. Dê facto, não sabíamos para onde estávamos a ir.

Ao longo da nossa fuga, a minha mulher foi atingida por uma bala. Carreguei-a pelas costas para que não lhe pudesse perder. Três jovens da família vizinha, também foram alvejados, mas mortalmente.

Não havia mais como fazer com os que morreram baleados, senão os deixar ao relento. A nossa deslocação continuou. A minha mulher estava derramando o sangue de forma compulsiva. Os meus filhos choravam de tanta dor pelo boleamento da mãe, medo e também pela fome que nos invadia. Realmente, eu não conseguia aguentar com o peso da minha esposa nas costas: tropecei e cai. Descobri que, eu também tinha sido alvejado e tentando cuidar da minha ferida, senti catanadas sobre mim.

Acordei daquele mau sonho aos gritos de socorro. (Deslocando-se)

Dobrei os meus joelhos e pus-me a orar rogando para que o Altíssimo tenha piedade e socorre todos aqueles que estão nas circunstâncias de guerra por todo o mundo. Que dê de comer e abrigo a todos aqueles que vivem deslocados e refugiados sem se quer ter por onde morar, o que comer e como viver.

Deus existe e já me ouviu! …

JOEL ATANÁSIO AMBA

Este artigo foi publicado em primeira-mão na versão PDF do jornal Redactor, na sua edição de o4 de Dezembro de 2020, na rubrica Opinão

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