Do optimismo da Educação
Tudo dá a entender que as escolas, incluindo as universidades e os institutos superiores, vão retomar, ainda que gradualmente, as suas actividades após três meses de paralisação imposta pelo coronavirus.
A Educação quer, assim, passar a mensagem para todos nós de que devemos aprender a viver com o covid-19 porque, ao que tudo indica, a doença veio para ficar em Moçambique e no mundo em geral.
Os indicadores e a experiência dos últimos três meses do estado de emergência mostram que apesar das medidas restritivas de cumprimento obrigatório em vigor, a situação está longe de registar melhorias.
Os números de infeccões estão a subir a cada dia que passa e já há duas províncias que atingiram o padrão de contaminações comunitárias, nomeadamente Nampula e Cabo Delgado. Outras duas estão em vias disso: a cidade e a província de Maputo.
A retoma das aulas, ainda sem datas, está a ser desenhada e anunciada neste ambiente de muita incerteza e medo por parte dos pais e encarregados de educação sobre o que poderá acontecer com os seus filhos ou educandos. Há o receio de a medida representar um grande risco de contaminação entre as crianças.
Apesar de reconhecer o desafio que acarreta a medida, o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MEDH) parece bastante optimista e seguro de que até à reabertura das aulas, tudo será acautelado para que as escolas não sejam novos focos de propagação de coronavirus no seio da população escolar.
Está optimista, mas ainda não sabe dizer quantas escolas estão em condições de reabrir as portas. Em que bairros, comunidades, povoações, localidades, postos administrativos, distritos ou províncias se encontram e quantas crianças estão nelas matriculadas.
A Educação está optimista, mas não diz qual será a sorte das crianças, em termos do ano lectivo, cujas escolas poderão manter-se encerradas por falta de condições para o seu funcionamento com segurança. Será que perderão o ano? Qual será o tratamento a dar a este caso?
O sector diz-se consciente do rácio professor-aluno, nas escolas públicas, de 80 a 90 crianças. A solução em vista para garantir o distanciamento social será, segundo a Educação, a divisão das crianças de cada turma em três pequenas turmas, a estudarem em diferentes salas de aula.
Este esquema vai funcionar, mas na primeira fase da retoma porque nessa altura os alunos serão ainda poucos. O mesmo já não se pode dizer na terceira e última etapa, com o regresso das crianças de todas as classes. O MEDH parece-me evasivo em relação ao assunto. Não diz com muita clareza como irá assegurar o distanciamento social das crianças nessa altura.
Outra questão. Dividir cada turma de 90 alunos em três partes iguais vai obrigar ao MEDH a ter que triplicar o número de professores por disciplina se tiverem que ter aulas na mesma altura. Quer dizer, por exemplo, que uma turma que antes era orientada por um professor de Química ou de uma outra disciplina, no novo modelo terá de ser três professores a leccionar a mesma cadeira.
Já que perguntar não ofende, gostaria de saber como é que esta situação será acautelada? Vai-se avançar para novas contratações de professores? Se for assim, onde é que se irá arranjar o dinheiro para o pagamento dos seus salários?
Outra coisa: as crianças, sobretudo do ensino primário, têm o hábito de partilhar o lanche e os materiais escolares. É normal uma criança chupar um doce e depois passa-lo para a outra.
Crianças há que dividem o pão ou uma arrufada com os dentes e oferecer um pedaço a uma outra. O mesmo acontece com os líquidos. Bebem juntos o mesmo pacote ou copo de sumo, refrigerante ou água.
São práticas antes pacíficas e normais entre as crianças que hoje são arriscadas por poderem infectar-se umas das outras.
Os professores não serão suficientes para controlarem centenas de crianças, a correrem de um lado para o outro, ao intervalo, ao ponto de evitar esta situação. É um caso a não desprezar.
Aliás, os próprios pais e encarregados da educação, neste período do Estado de Emergência, não estão a conseguir controlar devidamente os seus filhos ou educandos. Os miúdos saem sistematicamente de casa para brincar e sem qualquer protecção como a máscara.
Talvez por isso mesmo que as caras visíveis do coronavirus em Moçambique são jovens, adolescentes e crianças, algumas das quais de tenra idade.
É impressionante a forma como as escolas públicas acreditam hoje na solução, em tão pouco tempo, dos problemas que não conseguiram resolver há meses ou há anos, alegando a exiguidade orçamental.
Às vezes é uma simples torneira avariada que fica dias, semanas, meses ou anos a jorrar água sem que ninguém a substitua com a justificação de que não há dinheiro. A cantiga de sempre.
Como se isso não bastasse, as escolas públicas, algumas das quais localizadas mesmo nas cidades ou vilas, não têm água canalizada e socorrem-se de furos existentes na comunidade. Já pode-se imaginar o cenário que se passa nas casas de banho.
Algumas, nem sequer têm casas de banho convencionais. Usam latrinas e com problemas sérios de higiene. A limpeza está confiada a menores. Agora que é para viabilizar a retoma das aulas, quase todas fazem o coro a garantir que se vão arrumar, com todo o detalhe necessário para não representarem perigo para as crianças.
Se é possível estes problemas todos, os velhos problemas, terem solução em tão pouco tempo, tenho que acreditar que houve uma varinha mágica que só o coronavirus nos pode explicar melhor sobre a sua origem. Dos fundos para pagar algumas obras de beneficiação. De tanto esforço em resolver tudo sem as habituais queixas da falta de cobertura orçamental.
Há escolas que se debatem com problemas básicos como a falta de giz, papel de cópia e tinteiros para a reprodução de fichas de exercícios ou apontamentos para as crianças.
Alguns professores estão a aproveitar-se desta fraqueza institucional para ganharem dinheiro. Produzem os materiais com os seus próprios recursos e vendem aos alunos, cuja compra é obrigatória para os alunos.
Algumas das direcções das escolas, com a tentativa de saírem bem na fotografia, parecem ignorar esta realidade, a julgar pela forma como acenam à retoma das aulas. De repente tudo está a tornar-se aparentemente fácil.
O outro lado da história são as paragens e os terminais dos autocarros que com a reabertura das escolas vão conhecer novas enchentes. O distanciamento social entre os passageiros, que se mantém como um desafio, infelizmente será para esquecer. A disputa de lugares nos autocarros ou nos semi-colectivos de passageiros será grande. Tudo voltará a ser como era dantes.
É bem-vinda a decisão do governo de regresso às aulas, mas tem que ser um regresso com a segurança de que não estamos a transformar as nossas escolas em novos focos de contaminação com o coronavirus.
Era chegado o momento de o governo relaxar algumas medidas, ainda que timidamente, para permitir que alguns sectores económicos e sociais reiniciassem as suas actividades, pois o fim de coronavirus não está para já.
Um regresso às aulas com a certeza de que estão reunidas todas as condições necessárias para o funcionamento das escolas nos novos moldes.
Um regresso com muita responsabilidade por parte das direcções das escolas porque qualquer falha na implementação das medidas de protecção das crianças e dos próprios professores poderá resultar num autêntico desastre.
Um regresso que não seja apenas para salvar o ano lectivo, mas, sobretudo, para que tenhamos os estabelecimentos de ensino a funcionar dentro dos padrões sanitários recomendáveis para evitar novas infecções com o coronavirus.
ALEXANDRE CHIURE
Este artigo foi publicado em primeira-mão na versão PDF do jornal Correio da manhã, na sua edição de 03 de Julho de 2020, na rubrica OPINIAO
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