“Estamos a cumprir ordens superiores”

 Moçambique é um país “democrático”, nominalmente, mas onde, efectivamente, não há “liberdade de expressão” nem “de impressa”, porque tudo o descrito na lei, sobre esta matéria, é largamente pisoteado.

Queria eu ter o orgulho ao ver as acções daqueles que nos devem “proteger”, mas pelo contrário, por vezes me entristecem, ou até mesmo me amedrontam, porque represálias podem advir sobre mim. Sim, temo, constantemente, pela minha vida e não muito por causa dos criminosos.

Se, por sede de justiça, me junto a um grupo de manifestantes pacíficos para clamar por algum direito meu e que não me é dado a usufruir, como cidadã ou cidadão, sou reprimida/o.

Vi jovens sendo baleados, alguns tirados o direito de enxergar normalmente, e outros, como jornalistas que ousadamente criticaram a elite governante, sendo brutalmente ameaçados de morte, alguns dos escribas e/ou críticos do regime brutalmente agredidos, seviciados e assassinados, tudo isto justificado com a mesma ladainha: “estamos a cumprir ordens superiores”.

Mas que “ordens superiores” são essas que se sobrepõem à Lei-mãe?

Quem é esse “superior”, tão superior e invisível que intimida quase um povo inteiro e paralisa/obstaculiza quem queira lutar, legalmente, pelos seus direitos?

E nós, como povo, o que fazemos para melhor desfrutar dos direitos que a Constituição da República de Moçambique nos reserva?

Estamos num mês em que se comemorou o dia mundial da liberdade de imprensa. Justamente no dia 03 de Maio estava eu, como num dia normal, em casa, a fazer as minhas tarefas e, como é habitual, e escutando rádio, quando de repente ouço um jornalista a ser entrevistado reclamando e ao mesmo tempo apelando para que se tenha o direito ao acesso a informação, nos seguintes termos: “estamos num país onde nós como jornalistas temos dificuldades de ter acesso a informação, quando vamos às escolas em busca de informação eleitoral nos contam histórias e não nos dão informação”.

Mais tarde, fui a uma das escolas do Bairro Luís Cabral, em Maputo, onde funciona um posto de recenseamento. Me identifiquei como jornalista e, inclusivamente exibi a credencial que me foi emitida pelo Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE). Pedi alguns dados sobre o decurso do censo eleitoral. Debalde: “temos ordens superiores para não prestar informação alguma a jornalistas”, alegaram os brigadistas.

O difícil acesso a informação é um dos grandes obstáculos na carreira do jornalista em Moçambique. Me lembro, com muita tristeza, de certa vez, fazendo um trabalho de campo num dos mercados da Cidade de Maputo. Quase todos se queixavam de um determinado problema, mas, chegado o momento de se registar os depoimentos em jeito de entrevista para publicação, declinaram.

As pessoas não falam, mesmo dos problemas que as apoquentam no seu quotidiano, porque temem represálias.

É comum, quando se escuta a rádio ou se assiste a canais de tv, em debates sobre assuntos prementes, quase todos preferirem falar no anonimato. Acredito que o estimado leitor não vai matutar muito para perceber a causa disso.

É por causa das “ordens superiores” que somos silenciados, intimidados de reivindicar os nossos direitos, porque os que nos deviam proteger em situações que tais são justamente os que nos violentam, brutalmente, em cumprimento de “ordens superiores”.

NOÉMIA MENDES

Este artigo foi intitulado foi publicado em primeira-mão na versão PDF do jornal Redactor, na sua edição de  10 de Maio de 2023, na rubrica de opinião denominado OPINIÃO.

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