Fazer face à crise
A luta para sobreviver em Maputo já era uma tarefa difícil e, face a crise que Moçambique atravessa, resistir tornou-se condição essencial para quem “não tem medo de acordar cedo” e está disposto a correr para ganhar a vida.
Sufocada pela humidade do calor de Maputo, na imundice do mercado de Xiquelene e uma multidão desinteressada, Paciência Matavel, 42 promove, aos berros, um produto que “todos têm em casa”: água.
“Um copo custa cinco meticais e uma garrafinha está a dez. Mas ninguém mais compra”, lamenta à Lusa, num negócio que “não dá para muita coisa, mas até há pouco tempo ainda conseguia gerar algumas moedas”.
O custo de vida disparou, num efeito combinado de desvalorização da moeda, aumento da inflação, desastres naturais, dívidas escondidas por pagar, corte da ajuda externa e ainda um conflito militar que afugentou o investimento.
A alternativa de Paciência Matavel tem sido “ir atrás dos clientes”, já que eles “desapareceram”, com uma pequena caixa térmica na cabeça, e os poucos que sobram são os motoristas de transportes colectivos, num “corre-corre” que exige habilidade para fugir do principal inimigo dos vendedores informais, a Polícia Municipal.
“Quando eles chegam, não perguntam. Levam tudo”, descreve a comerciante, que, se não fosse pela sobrevivência dos seus filhos, já teria desistido desta “rotina humilhante”, atenuada pelo “pouco dinheiro” que o seu marido ganha como alfaiate nos arredores do Xiquelene. “Há quem viva em condições piores” neste 2016, “um ano para esquecer”.
“Estamos a passar mal”, observa por sua vez o sapateiro João Casa, 64 anos, obrigado a rever o seu manual de sobrevivência, sobretudo para um deficiente como é o caso e com cinco filhos a 80 quilómetros de distância, no distrito da Manhiça.
Com a clientela a desaparecer em Maputo e com ajuda da esposa, o sapateiro virou agricultor, apesar do desafio que é pegar numa enxada sentado numa cadeira de rodas, num terreno de trinta metros quadrados em Manhiça.
Apesar do esforço, até a natureza se rebelou e a seca que aflige o país destruiu metade dos canteiros, agravando a situação da sua família e de outros 1,4 milhões de pessoas que permanecem em insegurança alimentar.
Embora o Governo tenha garantido isenção de cortes para os sectores sociais, Luís Chilaule, professor na Escola Primária Forças Populares de Moçambique, diz que a crise começa a afectar a educação e o pagamento de horas extra.
“Eu próprio cortei o almoço”, lastima o professor, que se viu forçado a abrir uma pequena banca de produtos alimentares na sua casa, que “não dá quase nada” mas cobre o transporte escolar dos seus dois filhos.
Chilaule observa que as dificuldades das famílias começam também a ser visíveis na sala de aulas e as crianças pedem, por vezes, ajuda ao “pobre professor”, que já sente a fraca assimilação da matéria dada.
Nas barracas do mercado do Museu, centro de Maputo, o alfaiate Belarmino Fernandes, 64 anos, tem os mesmos desafios do seu colega de profissão e marido da vendedora de água.
À Lusa, conta que baixou os preços em 50%, mas a estratégia não está a resultar e os prejuízos acumulam-se.
“O discurso dos meus clientes é sempre o mesmo: ‘Não há dinheiro’. Por isso fui obrigado a inventar esta estratégia”, declara o alfaiate, mas, com a inflação acumulada a bater nos 30% até ao final do ano, já lhe passa pela cabeça fechar a banca, porque “não está a dar”.
Belarmino Fernandes trabalha no Museu há oito anos e nunca viu “um momento tão conturbado quanto este”, que começa a deixar “às moscas” um dos mais conhecidos mercados de Maputo.
“Os negócios não estão a andar, mas é necessário não ter medo de acordar cedo. É preciso lutar”, afirma o alfaiate.
LUSA & Redacção