As marcas de Fidel Castro
Fidel Castro modelou a política e a sociedade de Cuba à imagem e semelhança das suas ideias e vontade, mas durante 47 anos em que se manteve no poder deixou também uma marca e seguidores na política internacional.
A principal frente de batalha internacional de Fidel Castro, que morreu na noite de sexta-feira aos 90 anos, foi sempre a oposição aos Estados Unidosda América, que ditou as alianças de Cuba com a extinta URSS e no final com o socialismo bolivariano na américa latina – onde teve como principal seguidor o falecido Presidente venezuelano Hugo Chávez – numa estratégia de política externa construída à volta do “internacionalismo”.
O diferendo com os Estados Unidos, a que Fidel Castro chamava “o império” e que mantêm um embargo comercial contra Cuba, marcou desde o início a postura internacional do país nascido da revolução castrista.
Cuba proclamou-se “país socialista” em 1961 e em 1962 foi suspensa da Organização dos Estados Americanos e ficou sem relações diplomáticas com quase todos os países do continente americano.
Em resposta, Fidel Castro tratou de edificar uma estratégia diplomática assente em princípios como a afirmação da soberania, a recusa da ingerência em assuntos internos e a solidariedade internacional.
Num mundo então dominado pela Guerra Fria, Cuba constitui-se paladino – encontrou aliados e seguidores – de causas como a dos palestinianos contra Israel, da luta sarauí pela independência do Saara Ocidental, dos movimentos de guerrilha na América Latina ou da independência dos países africanos, onde teve papel de relevo nos países lusófonos, fornecendo equipamento e combatentes a Angola, Guiné-Bissau e Cabo Verde.
Angola foi o principal campo de batalha do internacionalismo de Fidel Castro em África. Estimativas de organizações internacionais colocam em 300.000 o número de combatentes cubanos que passaram por Angola.
E na sua luta contra “o império”, Fidel Castro criou uma rede de solidariedade com aliados como o então líder líbio Muammar Kadhafi, o Presidente argelino Abdelaziz Buteflika, o líder palestiniano Yasser Arafat e o então prisioneiro do regime sul-africano Nelson Mandela, enquanto Cuba se tornou ponto de apoio fundamental para as guerrilhas africanas e sul-americanas.
Marco desta estratégia foi, logo em 1961, a entrada de Cuba na Organização dos Países Não Alinhados como membro fundador, o único da América Latina.
No continente americano, o internacionalismo de Fidel Castro usou a divisa da “unidade revolucionária” para promover mudanças de regime em países como El Salvador, Guatemala, Nicarágua e Bolívia.
À excepção da revolução sandinista na Nicarágua, os movimentos revolucionários na américa central não foram bem sucedidos e Cuba acabou por se tornar refúgio de ex-guerrilheiros e de dissidentes perseguidos por ditaduras militares.
O não-alinhamento e o multilateralismo mantiveram-se pontos fulcrais da política externa de Fidel Castro, que tratou de garantir a participação de Cuba em entidades ligadas às Nações Unidas e de promover as relações diplomáticas da ilha com países fora da esfera de influência de Washington e do ocidente – pequenos países africanos, da Ásia e da Oceânia. Cuba manteve embaixadas e consulados em mais de 140 países.
Com a Guerra Fria terminada e passado o tempo das revoluções, já no século XXI, Fidel Castro tratou de reinventar o “internacionalismo cubano” e passou a exportar médicos e professores, agora já não tanto como embaixadores da revolução, mas como instrumentos de um objectivo mais pragmático – conseguir divisas estrangeiras para fazer frente ao estrangulamento económico do embargo norte-americano.
Os ideais revolucionários passaram a ser encarnados na Venezuela pelo “socialismo bolivariano” de Hugo Chávez, que morreu em 2013 e deixou um país em colapso económico e grande tensão social.
Chávez afirmava-se abertamente como “discípulo” de Fidel e o líder cubano considerava o antigo Presidente venezuelano “o melhor amigo de Cuba”.
Fidel Castro entregou o poder em 2006 ao seu irmão Raul Castro, que iniciou uma postura mais pragmática de Cuba na cena internacional, apesar de Fidel continuar a ser voz influente.
Tendo do outro lado do estreito da Florida a vontade conciliadora do Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, o novo pragmatismo cubano resultou num dos acontecimentos mais relevantes para Cuba depois de mais de cinco décadas de revolução – o restabelecimento de relações diplomáticas entre Washington e Havana, anunciado em Dezembro de 2014, mas cujos resultados práticos são ainda ténues e se tornam agora mais incertos com a eleição de Donald Trump para a presidência norte-americana.
Nos seus últimos anos, Fidel Castro pode ainda ver Cuba a honrar a sua marca na cena internacional e a continuar a procurar alianças alternativas face à relação sempre difícil com “o império”.
Raul Castro tem investido na reedição de alianças estratégicas com a Rússia de Vladimir Putin e com a China de Xi Jinping.
Agências e Redacção