Hélder Martins:COVID-19
Hélder Martins – Numa missiva que rotula de “comunicado de imprensa”, composto por 3.199 palavras plasmadas ao longo de sete páginas, o médico Hélder Martins pede ao presidente da República de Moçambique, Filipe Jacinto Nyusi, a sua demissão da Comissão Técnico Científica para Prevenção e Resposta à Pandemia de COVID-19.
Com termos muito severos, aquele que foi o primeiro ministro da Saúde no Moçambique pós-independência, enumera um conjunto de motivos para justificar a sua decisão, cerca de 11 meses depois a trabalhar “12 horas por dia, sem interrupção de fins-de-semana ou de feriados” numa comissão “que nasceu torta”.
Hélder Martins, repete na sua carta que sempre discordou com o facto de a Comissão Técnico Científica para Prevenção e Resposta à Pandemia de COVID-19 ser dirigida por um político, porque, argumenta, “mesmo as medalhas mais brilhantes têm sempre um reverso, por vezes menos brilhante”.
“O meu pedido de demissão agora passados 11 meses é o resultado de eu ter vindo a engolir sapos ao longo de todo este tempo e há um momento em que se diz: BASTA! Há um momento em que uma simples gota de água faz transbordar o copo. O Decreto 2/2021 de 4 de Fevereiro e a Comunicação Presidencial que o antecedeu contêm as várias gotas que fizeram transbordar o copo”.
Para Helder Martins, uma Comissão Técnico-Científica não pode ser dirigida por um político, e um Ministro, mesmo que muito brilhante médico e académico, no dia em que toma posse como Ministro torna-se um político. Portanto, desde o início, houve uma nítida intenção de introduzir factores políticos na gestão da epidemia. Uma epidemia não pode ser gerida por políticos.
Hélder Martins entende que muitas decisões tomadas em torno do combate à covid em Moçambique pouco tem de científico, argumentando haver indícios de muitas imitações desfasadas da realidade moçambicana.
“Muitas vezes tenho advertido contra o perigo de se verem demasiadas televisões estrangeiras”, afirma aquele veterano que se juntou à FRELIMO ainda durante a luta armada de libertação nacional e foi responsável pela saúde nos campos controlados pelo movimento independentista na Tanzânia e nas zonas libertadas de Moçambique.
Diz que muitas medidas que se tomam e seguem em Moçambique no contexto da luta contra a covid são “simplesmente copiadas de Portugal”, referindo que “o Governo tem outros assessores (infelizmente vítimas de neocolonialismo cultural e científico) e que, portanto, dispensa os serviços da Comissão Técnico-Científica”.
Hélder Martins ressalva, no entanto, que nem tudo o que vem de Portugal está errado no contexto de luta contra a covid, exemplificando com a abertura (para as ONG e OCS) deste país e da África do Sul nos trabalhos das respectivas comissões científicas.
“Assistimos noutros países (principalmente em Portugal e África do Sul) a encontros entre as lideranças políticas e os especialistas a serem cobertos pelos órgãos de comunicação social, em directo e em tempo real. Aí os dirigentes políticos, incluindo os da oposição, podem colocar todas as suas dúvidas e todas as suas angústias e elas são respondidas pelos cientistas. E tudo se passa diante das câmaras das televisões e os microfones das rádios e os gravadores dos restantes jornalistas”
Prossegue referindo que nestes países “a sociedade tem conhecimento em tempo real do que os cientistas recomendam. Todos os Governos têm o direito de tomarem as decisões que bem entenderem, mas se entenderem tomar decisões contrárias às recomendações dos especialistas, assumem as suas responsabilidades diante do povo eleitor, pois este também fica esclarecido sobre o que recomendam os especialistas. Este é um dos raros aspectos em que temos alguma coisa a aprender de Portugal”.
Mas aqui em Moçambique remeteu-se a Comissão Técnico-Científica para este manto de clandestinidade, de sombra silenciosa, para que o Governo possa livremente tomar decisões sem qualquer fundamentação científica e sem que ninguém saiba quais foram as recomendações da Comissão.
Depois de alistar uma série de erros politicamente cometidos no âmbito de combate à covid Helder Martins repete que “estou cansado de ser enxovalhado em público. É altura de dizer: BASTA! ”, frisando que não quer “ser tomado como cúmplice de medidas tão desacertadas”.
Redactor