HRW acusa Moçambique

A Human Rights Watch (HRW) considerou hoje que, apesar do cessar-fogo assinado em Dezembro de 2016 pelas partes em conflito em Moçambique, os crimes cometidos por grupos armados e os abusos aos direitos humanos continuam impunes.

No “Relatório Mundial 2018: Luta pelos Direitos Tem Sucesso”, divulgado hoje em Paris, a HRW divide a responsabilidade pelas forças de segurança governamentais – o executivo é liderado desde a independência, em 1975, pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) – e por grupos armados ligados à Resistência Nacional Moçambicana (Renamo, antigo movimento rebelde hoje partido político).

O documento, de 643 páginas, é elaborado pela organização de defesa e promoção dos direitos humanos, com sede em Nova Iorque, e analisa a situação dos direitos sociais e políticos em mais de 90 países, entre eles apenas quatro lusófonos – Angola, Brasil, Guiné Equatorial e Moçambique.

Na 28.ª edição do relatório, a HRW salienta que, além da impunidade e da ausência de justiça nos tribunais, persistiram em 2017 os casos de assassinatos, desaparecimentos, raptos, detenções arbitrárias e destruição de propriedade, o que constituem “graves violações” aos direitos humanos.

A situação no país agravou-se também pela consequente crise económica, baseada também com a utilização ilegal de financiamentos estrangeiros em empresas públicas, o que levou os doadores a congelar as suas contribuições para o orçamento de Estado de Moçambique.

No relatório, a HRW destaca que as autoridades moçambicanas também não levaram a tribunal os responsáveis pelas empresa-as públicas envolvidas no escândalo, apesar de uma auditoria internacional ter pormenorizado as transações e os nomes dos envolvidos nas operações.

Presidente da República de Moçambique, passando revista a uma unidade policial em parada, em Maputo
Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, passando revista a uma unidade policial em parada

“Os que aplicam a lei em Moçambique continuam com a prática de não investigar um vasto leque de crimes graves”, frisa a HRW, lembrando também os casos e pelo menos 10 personalidades, “incluindo destacados dirigentes da oposição, procuradores do Estado e proeminente académicos” que foram mortos ou feridos em ataques “aparentemente motivados politicamente” em 2016, que continuam sem investigação.

A organização cita a Liga dos Direitos Humanos (LDH) moçambicana para dar conta de que as forças de segurança governamentais raptaram ou executaram sumariamente pelo menos 83 pessoas nas províncias de Manica, Sofala, Tete e Zambézia, entre Novembro de 2015 e Setembro de 2016, que também continuam sem investigação.

Por outro lado, a HRW denuncia também os alegados abusos na indústria extractiva e mineira em Moçambique, sobretudo o ocorrido em Julho de 2017 nas minas de Namanhumbir, em Montepuez, na província nortenha de Cabo Delgado, pertença da empresa britânica Gemfields e de vários antigos generais ligados à Frelimo.

Nas imagens gravadas em vídeo, espalhadas depois pela imprensa e pelas redes sociais, veem-se as forças de segurança moçambicana a atacar os trabalhadores que laboram nas minas de rubis, com agressões, ordens para os funcionários baterem em colegas entretanto atados com cordas a árvores ou com outros ainda a serem obrigados a enterrar as cabeças na terra.

Em reação aos vídeos, lembra a HRW, um porta-voz da polícia indicou, a 26 de Julho, que os agentes envolvidos estavam sob investigação, mas não adiantou quaisquer pormenores. No mês seguinte, uma associação de defesa dos direitos humanos local, deu conta de abusos contra os mineiros, como assassinatos, tortura, espancamentos e extorsão. Até hoje, denuncia a HRW, nada mais se sabe.

No relatório, a organização denuncia também a continuação dos ataques a crianças e adultos que padecem de albinismo, com mortes, raptos e espancamentos, bem como atrasos na aplicação da lei que descriminaliza a orientação sexual e a equidade do género, lembrando que a lei está por aprovar há mais de dois anos.

Também a violência doméstica e denunciada pela HRW, que lembra sobretudo os casos ocorridos em Dezembro de 2016 com a filha do ex-presidente moçambicano Armando Guebuza, assassinada pelo marido, e da também filha de um outro antigo presidente, Samora Machel, que ganhou em tribunal uma disputa depois de acusar o ex-namorado de, ao agredi-la, ter-lhe feito perder a visão num olho, dois casos mediáticos que, porém, não reflectem a realidade no país

As condições nas prisões são também denunciadas, uma vez que, projectadas para 8.000 presos, as cadeias albergam cerca de 18.000.

Redacção

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