Indisciplina torna-se cultura

Indisciplina – Este não é caso de conflito de gerações. Tenho mais de meio século de idade e assumo que não vou viver mais meio século de vida. Sou de uma geração de respeito, porque no tempo de minha infância, crianças filhos de negros não tinham direitos na minha aldeia.

Mais velho ou mais velha, mesmo que não fosse pai ou mãe de criança, podia mandar ou bater no petiz de vizinho caso apanhasse a fazer malandrice na via pública.

Não chamávamos titios ou titias aos mais velhos.

Tratávamos os mais velhos de “baba” (pai), “mama” (mãe) ou “hahani” (irmã).

Um dia um meu primo em visita à casa do seu irmão mais novo em Maputo ficou zangadíssimo, porque a filha do irmão, dono de casa, chamou a ele de tio. O visitante queria que a criança lhe chamasse pai e não tio. É assim como pessoas cresciam com respeito.

Nelson Mandela escreveu no seu livro Long Walk to Freedom (Longa caminhada para liberdade) que nas relações familiares entre africanos não há primo – todos são irmãos.

Portanto, até hoje chamo meus primos de manos ou manas. É uma forma de solidificar a fusão de relação familiar e respeito concebidos por nossos trisavôs.

Em quase todos os países africanos a tradição de respeito entre pessoas na aldeia está perdendo sua essência.

Mais novos não respeitam mais velhos em casa, na aldeia e na sociedade em geral.

Crianças são objectos cristalinos de adorno que não podem ser tocados.

Na estrada, escola ou em qualquer outro lugar prolifera indisciplina.

Dirigentes políticos africanos evitam repor disciplina herdada de nossos trisavôs na sociedade para não perderem votos em eleições locais ou gerais de modelo importado do Ocidente sem pagamento de direitos aduaneiros.

Então, a anarquia instalou-se comodamente na sociedade, sendo que em vias públicas o resultado visto a olho nu são acidentes de viação que causam mortes todos os dias. Em uma semana, na África do Sul cerca de 50 pessoas morreram em dois acidentes evitáveis ocorridos nas províncias de Limpopo e de Mpumalanga, que fazem limite com Moçambique.

Nos centros urbanos africanos, a poluição sonora tomou conta perante olhar impávido de autoridades supostamente instaladas para velarem pelo cumprimento da lei e ordem. Indisciplina torna-se cultura africana perpetuando O Rancor do Pobre da geração de respeito.

THANGANI WA TIYANI

Este artigo foi publicado em primeira mão na versão PDF do jornal Correio da manhã, edição de 31 de Outubro de 2018 na rubrica semanal O RANCOR DO POBRE

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