Mário Machungo (1940-2020)

Mário Machungo – Conheci este homem que foi hoje a enterrar por via da amizade que eu e minha companheira mantemos há muitos anos com uma sua irmã, a Ermelinda (Minda). Pessoalmente, no entanto, sempre soube que sua mãe, Amonete Jamisse Matenga, é de Nhamurrumbo, Jogó (aportuguesamento de Nzogoni – terra de macacos), distrito de Morrumbene, Inhambane, terreola igualmente da minha avó materna, Essineta Pherengue Nhassengo, a quem lhe dispensa um trato muito especial: “mamani Essineta”.

Mário Machungo nasceu em Chicuque, em 1940, distrito de Maxixe, ainda que os pais vivessem na cidade de Inhambane, onde o progenitor, Fernando Machungo, era Professor de uma escola rudimentar da Igreja Anglicana, que ele mesmo inaugurara, em 1837, em zona conhecida por Lifundissene (zona de influência de pastores daquela congregação), no conhecido bairro de Chalambe.

Não escondo a minha pequenez para falar dele, mas aos pequenos também lhes assiste o dever de testemunhar sobre os grandes. E Machungo foi, incontestavelmente, um grande homem.

Decorria o ano de 1988 quando fui destacado a participar, como técnico da Rádio Moçambique, na primeira reunião de preparação da visita do Papa João Paulo II ao nosso país. Depois de me apresentar, logo ali o Major-General Jacinto Soares Veloso, chefe da Comissão Nacional da Visita Papal, me disse que era parte integrante da sub-comissão técnica e que, com a maior brevidade possível, deveria arrolar e apresentar todas as necessidades em equipamento para as amplificações sonoras nas três cidades programadas para a celebração de missas campais: Nampula, Beira e Maputo, por esta ordem. Claro que para debelar a longa e penosa falta de equipamento na RM, aproveitei para inflacionar essas necessidades, de tal sorte que até há muito poucos anos sabia da sua existência e operacionalidade.

Apresentada a lista, dias depois, Veloso ordenou que a Rádio emitisse de imediato a ordem de importação do mesmo e que procurasse garantir a sua chegada atempada. Foi feito e depois informado que o material era de origem italiana, vindo de Veneza, com passagem por Paris, cidade onde escalavam as Linhas Aéreas de Moçambique (LAM). Era o tempo do DC-10!

Prevendo contratempos, Veloso ordenou que eu fosse a Paris para conferir a chegada do equipamento na data indicada, e com ele embarcar com destino a Maputo. Estava-se a um mês da chegada do Papa. E lá se cumpriu a ordem.

Em Paris, na ante-véspera do embarque, sou informado pelo Bashir Adamo, delegado então das LAM, que o equipamento não seguiria viagem porque as paletes existentes estavam todas elas ocupadas com material informático do gabinete do primeiro-ministro, Mário Machungo por então, sugerindo-me que falasse com ele para ver se ele aceitaria adiar o embarque da carga destinada ao seu gabinete. Houve que falar telefonicamente com o Mário, que disse, em resposta à minha explanação do problema: “Retirem o meu equipamento, a Rádio Moçambique é mais importante que eu!”. Soube depois, nos bastidores, que não era a primeira vez que se protelava o embarque daquele equipamento, e sempre por o Mário Machungo achar que outros eram mais importantes.

Um outro exemplo:

Estamos em ano de crise financeira (não sei se em algum da nossa História estivemos desafogados), após as cheias de 2000, com a Rádio Moçambique à míngua de recursos, materiais e financeiros. Vivíamos de duodécimos, longe de chegarem para pagar os salários a seus funcionários e garantirem uma operação plena. Vendíamos a bancos o que nos vendiam, a promessa de melhores dias, e naturalmente acumulando dívidas, com sucessivos descobertos. E ao BIM, naturalmente. Até que todos resolveram pisar fundo nos travões, deixando-nos com as calças na mão e à beira do colapso.

Sabiam da minha discreta aproximação ao Mário Machungo e lá me chamaram para junto deles e me convenceram a ir falar com ele, para o BIM condescender e reactivar os milagrosos descobertos, uma espécie de coramina para ressuscitar um quase defunto. Pedi a respectiva audiência e lá me mandaram subir até ao cocuruto da então sede do BIM, na Av. Karl Marx, onde se situava o gabinete do Mário. O homem ouviu-me, pacientemente, após o que mandou chamar uns tantos administradores e directores, a maior parte dos quais portugueses: “Sei que decidimos fechar a torneira a muitos, mas proponho-vos que reconsideremos, que voltemos atrás em relação a Rádio Moçambique, que veio implorar por intermédio do Luís, aqui presente. A Rádio é uma coisa muito importante para este país, reactivemos os descobertos com ela e veremos, depois, como as coisas se passarão, no futuro.”

A audiência investiu sobre o Machungo com todos os argumentos, mas a eles contrapôs com outros tantos e sem uma única vez perder a lisura. Quer dizer, ele impunha-se sem precisar de levantar a voz, uma arma de muitos. Acho que terá sido, a partir daí, que eu concluí que talvez fosse essa a sua maior virtude!

E foi assim que descobri, também, que o Mário Machungo via sempre importância em outros, nunca nele, coisa rara em pessoas do topo. Por isso não duvidei, anos depois, quando em plena celebração dos 70 anos de casamento dos pais revelou, publicamente, que vendeu maçaroca cozida e amendoim torrado pelas ruas de Lourenço Marques para ele e irmãos poderem estudar e subsistir. Daí a minha pesarosa saudação à sua pessoa, testemunhando, aqui e agora, o legado de pessoa humilde que ele sempre foi.

Como me custa ter que dizer: “QUE ELE FOI”!

Até sempre, Mário!

Luís Loforte

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