Moçambique: uma democracia que não é
Ser democrático é permitir a concatenação de várias esferas públicas rumo ao objectivo comum e ao liberalismo social. Na pátria amada, a podridão do sistema governativo começa com marxismo-leninismo pôs-independente, quando opiniões contrárias definiam inimizade patriótica. O cenário foi se tornando mais caótico, pois para expressar o seu ponto de vista tinha de passar por uma censura programada na qual a sua opinião se tornaria a de revisores também. O Estado queria, com isso, controlar a mente, o físico e o agir, como se do Altíssimo se tratasse.
Na década 90, o processo muda de estrutura, o Governo adopta o sistema democrático, onde se introduziu o sufrágio universal, “o carácter soberano do Estado de Direito Democrático, baseado no pluralismo de expressão, organização partidária e no respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos. Este sistema carregou nas suas entrelinhas o capitalismo burguês que o Jürgen Habermas fala no seu livro Mudança estrutural da esfera pública”, onde as políticas passaram por uma total e completa redefinição.
Ainda assim, o Governo continua querendo controlar a mente, o físico e o agir social numa tentativa de homogeneizar a sociedade e o burguês continuar a desflorar do bom e do melhor da Pérola do Índico.
Já dizia o filósofo Jean-Jacques Rousseau que a democracia exige dos seus constituintes um pensamento liberal – centrado no povo, um comportamento consciente e consentâneo com as próprias finalidade do regime.
Aí surge a questão: será que a democracia Moçambicana está constituída nestes moldes?
Este questionamento remete-nos às mortes sumárias e algumas até hoje sem rostos dos assassinos. Carlos Cardoso, um jornalista que fundiu seus trabalhos baseado na Lei de Imprensa 18/91, a qual redefine a actividade e define direitos e deveres dos profissionais que actuam na área, foi assassinado por investigar casos de corrupção envolvendo a burguesia Moçambicana. Mal este sabia que a tal propalada liberdade de imprensa e de expressão não servem quando o assunto mexe com os “chefes”. A morte de Carlos Cardoso foi o ponta-pé de saída para a estabilização do soberano desconhecido, como explica António Bai Sitoe Júnior na sua obra “A televisão e o soberano desconhecido em Moçambique: os efeitos de vigiar e punir os analistas”. O Soberano desconhecido de António Júnior, que eu chamo de burguês, instalou seu quartel general de crime onde os alvos seriam os portadores da consciência diferenciada.
Destacam-se nesta onda de assassinatos analistas políticos de programa de televisão, políticos e membros da sociedade civil. O assassinato do presidente do Município de Nampula, Mahamudo Amurane, no dia 04 de Outubro de 2017, agressão contra Professor universitário e comentador da televisão José Macuane e de Ericino de Salema é a prova da actuação deste burguês Moçambicano. Fora destes tantos outros casos do gênero, foram registados durante a últimas décadas. Alguns recebem mensagens ou telefonemas ameaçadores, como o caso do Professor Adriano Nuvunga, que de segunda a segunda procura dar seus pontos de vista em relação a assuntos cadentes da Pérola do Índico.
Ainda me questiono: será democracia perseguir quem pensa diferente de nós?
Perseguiram durante o dia o líder da oposição Afonso Dhlakama tal como fazem os vossos amigos socialistas. No entanto, ainda se autodenominam democráticos. A que tipo de democracia se referem? Certamente não é a mesma defendida por grandes pensadores como Sócrates e Nietzsche, nem pelas grandes nações.
Hoje em dia estão em curso campanhas para as eleições municipais. No entanto, no dia 11 de Outubro, data marcada para a votação, ouviremos murmúrios de políticos e da sociedade civil sobre as fraudes eleitorais. Mesmo assim, eles continuam a afirmar que são democráticos.
Irmãos, precisamos reflectir sobre o presente e para onde estamos a levar o destino desta nação.
ANTÓNIO DAMIÃO (antoniodamiao03@gmail.com) *
* Moçambicano natural da província central de Manica, actualmente a frequentar curso de mestrado em Jornalismo no Brasil
Este artigo foi publicado em primeira-mão na versão PDF do jornal Redactor, na sua edição de 02 de Outubro de 2023, na rubrica de opinião.
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