Morte de Valentina
Escreve o conceituado sociólogo Carlos Serra, no seu habitual e rico sítio no facebook, e a propósito do assassinato de Valentina Guebuza, que tem assistido a “…comentários marcados pelo boçalismo, pelo ódio, pelo insulto, pela leviandade, pela ironia mais torpe e pela desumanidade”.
Estou plenamente de acordo.
Mas será útil ficarmo-nos apenas pelo concordar, como eu o faço agora, e pela constatação do “…boçalismo, ódio, insulto, leviandade, ironia mais torpe e desumanidade”? Ou ficará a faltar a necessidade de irmos um pouco para além do concordar e da constatação, evitando assim que esse exercício se quede na esterilidade?
A realidade em que vivemos nos últimos anos é de autêntica banalização da morte e do sofrimento alheios, quer através dos reality shows nas nossas televisões, e também na própria Assembleia da República: linchamentos públicos e até reportados em directo, onde o choro e as expressões de sofrimento são o condimento mais importante, uma AR em que deputados se regozijam com a morte e/ou desgraça alheias, deputados primando pelo insulto como a conduta mais comum, esquadrões da morte obedecendo a vozes de comando que deveriam primar pela protecção dos cidadãos, comissões de inquérito concluindo que os refugiados no Malawi vivendo um sofrimento quase comparado à morte não são moçambicanos porque eventualmente familiares dos desestabilizadores políticos, o virar de costas a cadáveres expostos e apenas porque não estão em “vala comum”, porque esse o objecto do seu trabalho, o morticínio de centenas de cidadãos em celas minúsculas apenas porque não pertencem ao nosso espectro político (Montepuez), e depois se celebra em livros apologéticos os seus autores, como forma de se ser benquisto aos olhos do poder político.
E não quero ser mais exaustivo, mas a pergunta, essa, fica sempre a incomodar-nos: repudiar e concordar, por si só, serão suficientes?
Eu também condeno, como já o disse, mas não deixo de referenciar a origem desta amarga indiferença perante a morte, deste júbilo perante o estertor dos moribundos, do sofrimento dos que perdem entes queridos, no caso, o ex-presidente da República, Armando Emílio Guebuza. Mas eu tenho a obrigação de cavar fundo aos problemas e não me ficar pela sua rama.
Na verdade, e porque maioritariamente vindo de gente jovem, ou muito me engano ou essa “ironia mais torpe” constitui a safra do que se andou a semear ao longo dos anos, na nossa sociedade.
Doa a quem doer!
Luís Loforte