O Governo, os insurgentes

O Governo – Um velho amigo, de muita confiança e com muitas vivências, aconselhou-me um dia que o silêncio é o melhor remédio. Ensinou-me que o tempo tem uma capacidade invejável de apagar tudo que acontece de ruim na vida: no ambiente familiar. Entre  amigos ou no país.

Dirigiu-me estas palavras assim que olhou para mim. Percebeu que algo de anormal estava a suceder. Realmente estava muito triste, de queixo baixo. Não era para menos. Acabava de sofrer uma calúnia e preparava-me para responder à medida porque achava que dessa forma ia repor a verdade, a dignidade, o respeito e, acima de tudo, elevar a minha auto-estima.

Doeu-me muito ficar calado, mas decidi respeitar os conselhos do mais velho, porque se baseiam na sua experiência. Dado a esse seu lado de querer o bem das pessoas, muitos o procuram para uma conserva antes de tomarem qualquer decisão sobre coisas relacionadas com a sua vida para evitarem cometer erros irreparáveis.

O tempo veio atrás de mim e.., zás… apagou tudo. Muitas coisas aconteceram, a seguir, na minha vida. Recebi minha tia que vive lá na povoação com quem não nos víamos faz tempo. Ganhei um concurso que dava direito a uma viagem para o estrangeiro. Tudo isto fez esquecer-me das calúnias e concentrei-me no essencial.

Numa sentada, com um grupo de amigos da infância, em tarde de sábado, aprendi mais uma lição. Um deles, ao analisarmos o caso de um jovem de lá da aldeia que foi acusado de roubar dois cabritos e que até então não se tinha pronunciado, disse: “Quem cala consente”.

Este segundo conselho despertou em mim a ideia de que quando fui alvo de calúnia, perdi uma grande oportunidade de me explicar. Desfazer a informação caluniosa ou fazer uma contra-informação. Conclui que às vezes calar não é solução, sob risco de deixar as pessoas desinformadas.

Percebo agora que alguns sectores do governo deste país foram aconselhados pelo meu velho amigo. Não se comunicam quando deviam o fazer. Não abrem a boca para nada perante situações em que o público está à espera do posicionamento oficial sobre o assunto.

Os moçambicanos estão a ser bombardeados sistematicamente com informações de fontes duvidosas sobre os ataques dos chamados “insurgentes” a alguns distritos da província de Cabo Delgado e a nível oficial não se diz nada.

Para quem vive fora daquela província pode ficar com a percepção de que está tudo bem em Cabo Delgado, quando, na realidade, as populações de Macomia, Mocímboa da Praia, Palma, Muidumbe, Mueda, Nangade, Quissanga, Bilibiza e outros vivem num ambiente de medo e terror devido às incursões destes grupos. Há uma tentativa de congelamento da informação ou de evitar que seja publicada na imprensa.

Milhares de camponeses abandonaram as suas aldeias e vivem hoje como deslocados em algumas vilas distritais, causando uma crise humanitária. Não têm como produzir e entre eles há os que perderam todos os seus haveres destruídos ou queimados pelos chamados insurgentes.

Quase todos os dias ou todas as semanas há ataques aqui, ataques acolá e tudo chega à comunicação social por vias informais, com os riscos que isso representa em termos da fiabilidade da informação.

Seria bom que tão cedo o governo se cruzasse com o meu amigo da infância para chegar à mesma conclusão que eu cheguei de que está a perder a oportunidade de manter o público informado, com notícias verídicas, sobre o que está, de facto, a acontecer no terreno e acabar com os tabus que ensombram as suas acções.

Os ditos insurgentes estão a passear a sua classe nas redes sociais. Pousam na posteridade defronte de sedes distritais assaltadas e ocupadas por algumas horas. Gravam vídeos no interior das residências dos administradores distritais a fazerem e desfazerem a seu bel-prazer. Como se isso não bastasse, divulgam números elevados de baixas que dizem ter infligido às forças de defesa e segurança.

Mesmo sabendo que nem tudo corresponde à verdade, que algumas informações são só para vender a imagem de que eles são militarmente fortes, não há nenhuma alternativa. Somos obrigados a “beber” desta informação porque, como sempre, não há nada do lado oficial da coisa.

As guerras ganham-se não só no teatro das operações, como também na comunicação social. É através de canais de comunicação como este que se atraem simpatias internas e externas que se reflectem posteriormente na conquista de algum tipo de apoio logístico para se manterem no terreno. Parecendo que não, os insurgentes estão a ganhar terreno em termos de estratégia de comunicação, sobretudo quando não têm com quem competir.

Em situações como esta de Cabo Delegado é preciso se ser forte do ponto de vista de comunicação para contrapor as investidas inimigas. Tem que se estar presente em todos os momentos para impor a posição do governo. Não há nenhuma guerra onde só um lado é que tem baixas. Alguma coisa está a falhar.

Abandonem a política de hostilizar jornalistas que tentam buscar a verdade para o consumo público. Não somos inimigos, mas, isso sim, compatriotas preocupados com tudo que está a acontecer na província de Cabo Delgado. Estamos do mesmo lado e amamos a paz.

Trabalhem connosco como parceiros que somos do governo e da sociedade civil na defesa dos interesses nacionais, um objectivo comum. Aliás, o Presidente da República, Filipe Nyusi, bem disse, nas suas palavras de carinho à classe jornalística por ocasião do seu dia, 11 de Abril, que o jornalista é um parceiro. O que essa parceria tem que se desenvolver na base do respeito mútuo para que possa se fortalecer e tornar-se saudável.

Alexandre Chiure (alexchiure@gmail.com)

Este artigo foi publicado em primeira-mão na versão PDF do jornal Correio da manhã, na sua edição de 16 de Abril de 2020, na rubrica OPINIÃO

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