O problema é a combustão
O problema é a combustão – É uma voz importante a apoiar a redução dos danos associados ao consumo de tabaco. É de um dos mais proeminentes activistas de saúde em África. Kgosi Letlape é um oftalmologista sul-africano e líder no sector da saúde. É um defensor pela transição para um mundo livre da fumaça.
Num artigo publicado a 12 de Agosto de 2022, pela AllAfrica, uma publicação centrada em assuntos africanos, Kgosi Letlape, que, além da Associação Médica de África, preside a Associação dos Conselhos Médicos da África, aponta, entre vários aspectos, a falta de conhecimento e a abundância de desinformação como parte dos maiores problemas que o continente enfrenta na transição para um mundo livre de fumaça.
“O grande problema do tabaco é a combustão. Há uma grande quantidade de evidências científicas que mostram que o problema é a combustão, e não a nicotina”, afirma, numa declaração feita no Fórum de Redução de Danos em África, realizado em Fevereiro deste ano, em Nairobi, capital queniana. A nicotina é considerada como o produto responsável pelo efeito viciante e dependência dos fumantes nos produtos de tabaco.
O especialista, para quem conhecimento é poder, apontou o uso do Snus, um tabaco oral húmido originário da Suécia e usado principalmente nos países nórdicos, como um dos maiores exemplos de redução de danos associados ao consumo do tabaco, através da não combustão.
“Curiosamente, o Snus foi banido na Europa por recomendação da Organização Mundial da Saúde. No entanto, a Suécia – sendo o maior produtor de Snus e tendo-o como parte integrante de seu estilo de vida há 200 anos – teve uma isenção. Agora, o Snus substituiu o tabagismo na Suécia. Eles agora têm uma das prevalências mais baixas de tabagismo na Europa. Mas, mais importante, eles têm a menor incidência de doenças relacionadas ao tabagismo na Europa, tudo graças ao Snus”, disse.
Aliás, um recente estudo do Centro de Excelência para o Aceleração da Redução de Danos (COEHAR, na sigla em inglês) sugere que o cigarro electrónico e o tabaco aquecido são menos prejudiciais ao nível celular, por exemplo. O estudo, publicado em Julho último, mostra que os aerossóis do cigarro electrónico não produzem os efeitos celulares causados pela fumaça do cigarro que levam a danos vasculares e ao aparecimento de uma série de doenças cardíacas. Também indicou que os aerossóis de produtos de tabaco aquecidos produzem substancialmente menos efeitos celulares adversos em comparação com cigarros combustíveis.
Kgosi Letlape fez história ao tornar-se a primeira pessoa negra na África do Sul a qualificar-se como oftalmologista, ainda durante os anos do apartheid. Foi, também, o primeiro negro a ser eleito presidente da Associação Médica Mundial (WMA, na sigla em inglês), o órgão representativo global para médicos em todo o mundo.
Num esforço para garantir acesso a produtos menos nocivos e cuidados de saúde para todos, Letlape co-fundou a Aliança Africana de Redução de Danos (AHRA, na sigla em inglês), que se concentra em consciencializar e educar as pessoas sobre a necessidade de reduzir danos resultantes do consumo do tabaco e promover o bem-estar.
Cigarros electrónicos são 95% menos prejudiciais
Citando vários estudos, o texto publicado a 12 de Agosto, na AllAfrica, sublinha que produtos de tabaco aquecidos, que aquecem o tabaco sem queimá-lo, contêm níveis mais baixos de produtos químicos nocivos do que a fumaça do cigarro. A combustão no cigarro convencional, assinala, cria altos níveis de produtos químicos que levam a doenças relacionadas ao tabaco, como o cancro, uma vez que o alcatrão e o monóxido são os elementos mais nocivos da fumaça do tabaco.
“Produtos de tabaco aquecidos aquecem o tabaco sem queimá-lo. Eles contêm níveis mais baixos de produtos químicos nocivos do que a fumaça do cigarro”, destaca.
Aliás, com o título “África: Redução dos Danos do Tabaco – Ainda um longo caminho a percorrer?”, o artigo assinado por Seynabou Sall indica, além do caso sueco, que ainda na Europa, um estudo publicado pela Public Health England (uma agência do departamento de saúde do Reino Unido) dizia, em 2015, que os cigarros electrónicos (e-cigarettes, na sigla em inglês) são 95% menos prejudiciais que os cigarros tradicionais. São “produtos de risco reduzido” e devem ser usados como ferramenta para ajudar os fumantes a parar de fumar, recomenda o texto.
“A revisão abrangente das evidências revela que quase todos os 2,6 milhões de adultos que usam cigarros electrónicos na Grã-Bretanha são actuais ou ex-fumantes, a maioria dos quais está usando os dispositivos para ajudá-los a parar de fumar ou para evitar que voltem a fumar. Também garante que muito poucos adultos e jovens que nunca fumaram tornem-se usuários regulares de cigarros electrónicos (menos de 1% em cada grupo)”, afirma a fonte.
Aponta também o Japão como outro país que testemunhou uma grande queda no uso de cigarros convencionais nos últimos anos. Um estudo publicado em Maio de 2020 pelo International Journal of Environmental Research and Public Health registou uma queda de 34,2% entre 2015 e 2019, num momento em que as vendas de tabaco aquecido aumentaram de 5,1 bilhões de sticks para 37,1 bilhões de sticks.
“Assim, esta diminuição coincide com a introdução de alternativas não combustíveis em 2014. As vendas domésticas de cigarros no Japão parecem ter diminuído em ritmo acelerado desde 2016, após a introdução de HTPs (produtos de tabaco aquecido) no mercado nacional japonês”, lê-se.
OMS contra
Mas o debate sobre os produtos de risco reduzido não é consensual. Os médicos e outros profissionais de saúde estão entre as classes que mais se opõem às alternativas apresentadas pela indústria tabaqueira. A Organização Mundial da Saúde (OMS), por exemplo, está entre os organismos que afirmam que as alternativas ao cigarro são tão prejudiciais quanto o cigarro, principalmente para os jovens. Do ponto de vista da OMS, os adolescentes que experimentaram este tipo de dispositivos são mais propensos a passar a fumar cigarros.
“Tanto os produtos de tabaco quanto os Sistemas Electrónicos de Disponibilização de Nicotina (ENDS, na sigla em inglês), apresentam riscos para a saúde. A abordagem mais segura é não usá-los, também… A toxicidade não é o único factor na consideração do risco para um indivíduo ou uma população da exposição às emissões de ENDS. Esses factores incluem o potencial de abuso ou manipulação do produto, uso por crianças e adolescentes que, de outra forma, não usariam cigarros, uso simultâneo com outros produtos do tabaco (duplo ou poli uso) e crianças e adolescentes que passam a usar produtos fumados após experimentação com ENDS”, refere o artigo.
Sentença de morte para milhões de fumantes
Mas para Joseph Magero, que é o presidente da Campanha por Alternativas Mais Seguras, uma organização pan-africana que defende a adopção de políticas de redução de danos do tabaco em África, a OMS está a prejudicar ainda mais os consumidores, especialmente os consumidores africanos. Num jornal nigeriano, o Enviro News, de Julho de 2021, intitulado “OMS causando danos incalculáveis aos fumantes desesperados de África”, ele disse:
“Apesar da crescente evidência de que os cigarros electrónicos são o método mais eficaz para parar de fumar e são quase inofensivos, o último relatório da OMS dobra sua oposição. É uma traição ao dever da OMS de melhorar a saúde pública. Seu mais recente ataque a produtos alternativos de nicotina não é científico, é dogmático e é uma sentença de morte efectiva para milhões de fumantes que estão tentando parar de fumar, particularmente aqueles em países menos ricos como os nossos”.
Tomando o exemplo do Quénia, ele ressaltou como, inclusivamente, a legislação no continente está a ser ridícula, em parte seguindo as orientações da OMS:
“Já este ano, 4200 quenianos morreram como resultado do tabagismo. No entanto, os legisladores no Quénia e na África como um todo seguem a sugestão da OMS ao regulamentar e taxar cigarros electrónicos e bolsas de nicotina. As bolsas, que parecem ser uma solução pertinente para o nosso continente, onde existe uma tradição de uso de estimulantes orais, foram até suspensas de serem vendidas no Quénia. Em vez de fornecer informações confiáveis sobre esses produtos que salvam vidas e disponibilizá-los prontamente, as autoridades os tratam como se fossem tão perigosos quanto os cigarros combustíveis tradicionais”, lamentou.
Segundo a OMS, existe mais de um bilião de fumadores no mundo. Destes, mais de 80% vivem em países de baixa e média renda. Na África Subsaariana, a prevalência de fumadores vai de 4% no Benim para 18% no Lesoto. De destacar que em todo o continente africano só a África do Sul comercializa o Snus e outras alternativas tais como o tabaco aquecido e o cigarro electrónico. (O problema é a combustão)
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