Pessoas com deficiência quase excluídas dos processos eleitorais

Pessoas com deficiência são quase excluídas dos processos eleitorais em Moçambique, como eleitores, brigadistas, prestadores de serviços e mesmo como destinatários das mensagens dos órgãos que gerem estas iniciativas e de divulgação de manifestos eleitorais dos concorrentes aos pleitos.

O Fórum das Associações Moçambicanas de Pessoas com Deficiência (FAMOD) apresenta dados de pesquisas cientificamente recolhidos e compilados para evidenciar este quadro dramático, os gestores eleitorais argumentam e os partidos políticos fecham-se em copas.

O FAMOD recorda-nos que, em 2022, publicou resultados de uma pesquisa intitulada Plano Nacional da Área da Deficiência (PNAD) 2012-2019, relançada este 2023 mostrando que, por exemplo, no processo de recenseamento eleitoral deste ano, apenas 130 pessoas com deficiência recensearam-se nas províncias do centro e Norte de Moçambique, de um universo registado de 475.011 indivíduos, dado que até pode pecar por defeito.

Esta agremiação diz ainda ter constatado a presença insignificante de brigadistas com deficiência nos locais de recenseamento e a ausência de tradutores de línguas de sinais e indicou que alguns locais onde decorrem eventos relacionados com as eleições são de difícil acesso para a pessoa com deficiência motora.

Em entrevista ao jornal Redactor, Timóteo Bene, oficial de programas do FAMOD, disse que, não obstante denúncias anteriores, até hoje não foram registadas melhorias em relação aos censo e pleitos eleitorais anteriores no que tange a pessoas com deficiência.

Bene diz que o que se assiste é a proliferação de brigadistas não preparados para lidar com a pessoa com deficiência e também a ausência de brigadistas com deficiência.

O oficial de programas do FAMOD falou ainda em torno do acesso à informação, vincando ser “difícil participar num processo sem estar devidamente informado sobre o mesmo”.

“Tomemos como exemplo uma pessoa com deficiência auditiva, que não consegue captar a essência das campanhas de educação cívica e de mobilização dos cidadãos potenciais eleitores. A falta de colocação de um intérprete de língua de sinais também afecta o processo todo”, observou Bene.

Farida Gulamo, secretária-geral da Associação dos Deficientes dos Moçambicanos (ADEMO) e ela própria pessoa com deficiência motora, contou ao Redactor que por diversas ocasiões enfrentou constrangimentos severos quando se dirigiu aos postos de recenseamento.

“Certa vez, fui tentar recensear-me. A mesa era muito alta, por isso não conseguia alcançar a máquina para que me pudessem tirar as impressões digitais e assinar … tiveram de carregar a máquina e praticamente colocaram-na no meu colo. Os brigadistas não tinham ideia de como lidar com a situação”, lamentou Farida Gulamo.

A nossa entrevistada sugere ainda que seria de bom tom que se fizesse uma readaptação das cabines de voto, uma vez que na sua opinião estas são estreitas e não permitem que para os que usam cadeiras de rodas para locomoção entrem e saiam das cabines de votação e façam as suas escolhas em efectivo sigilo e sem constrangimentos. “Nas actuais circunstâncias, quem for curioso facilmente enxerga qual foi a escolha da pessoa com deficiência locomotora”, denunciou a nossa fonte.

O conhecido músico Rafael Bata, cidadão com deficiência visual, junta-se ao clamor e conta que, nos dois processos eleitorais em que tomou parte, em nenhum deles encontrou um único boletim de voto em braile.

“Isso faz com que o voto da pessoa com deficiência visual deixe de ser secreto, conforme preconizado na Lei Eleitoral”, lamentou Bata.

Nestas circunstâncias, ajuntou Bata, “os eleitores com deficiência visual e os afectados por doença ou deficiência física notória votam acompanhados de outro eleitor, por si escolhido livremente, que deve garantir a fidelidade da expressão do seu voto, ficando obrigado a absoluto sigilo”.

Para Bata, este recurso “deixa numa posição vulnerável [a pessoa com deficiência], pois não tem como verificar se, de facto, a sua vontade eleitoral foi realizada”.

No concernente à acessibilidade, Bata disse que pode aceder ao local sem grandes dificuldades, contudo contou que amigos seus na mesma condição tiveram de enfrentar escadas, o que foi um grande constrangimento. 

Regina Matsinhe, porta-voz do Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE), comentou que a instituição que representa está ciente dos desafios e que tem estado a trabalhar com o FAMOD com o intuito de minimizar o sofrimento das pessoas com deficiência nas diversas vertentes relacionadas com os processos eleitorais.

A porta-voz do STAE disse que o órgão que representa não veda a participação de ninguém e que os concursos são públicos, frisando que “todo o cidadão tem o direito de se inscrever”.

“Para já, os órgãos gestores dos processos eleitorais nada mais podem fazer, senão se cingir ao cumprimento do que a lei eleitoral preconiza”, prosseguiu Regina Matsinhe.

De resto, sublinhou a porta-voz do STAE, os órgãos de administração eleitoral têm-se empenhado em interagir com o FAMOD visando minimizar o sofrimento dos associados desta agremiação.

Relativamente aos partidos políticos, os três com representação parlamentar – nomeadamente Frelimo, Renamo e MDM – fecharam-se em copas quando foram abordados pelo Redactor para se pronunciarem sobre o que fazer para envolver e minimizar o sofrimento das pessoas com deficiência no âmbito dos processos eleitorais.

STÉLVIO MARTINS

https://rb.gy/21ujt
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