PhDs não podem dar explicações? – LEANDRO PAUL
Tenho acompanhado, através das redes sociais, um intenso debate sobre o Prof. Doutor Rogério Uthui, renomado PhD em Física Nuclear, antigo reitor da Universidade Pedagógica e, antes disso, director científico da UEM, por dar explicações particulares a alunos interessados em ingressar no ensino superior.
Esses críticos acreditam que um Doutorado (com D maiúsculo) de tal calibre não deveria “descer ao nível” de emprestar o seu vasto conhecimento em Física a futuros licenciados. No caso – diria eu – nem se trata de emprestar, mas de vender, já que as explicações são remuneradas (350 Meticais, conforme o anúncio do ilustre Professor, acompanhado de uma fotografia em grande destaque, para termos certeza de que é ele mesmo).
Essas vozes discordantes chegam ao ponto de comparar a doutora (com d minúsculo) Margarida Talapa ao Prof. Doutor Rogério Uthui, subentendendo que a primeira, enquanto “simples” licenciada em Administração Pública, foi eleita presidente da Assembleia da República [segunda figura do Estado], enquanto o segundo, com todo o seu mérito académico, não alcançou tal patamar político – como se o conhecimento científico fosse condição “sine qua non” para exercer cargos políticos.
Quem conhece Rogério Uthui sabe da sua trajectória brilhante. Sob a sua liderança na Universidade Pedagógica, foram formadas, durante 10 anos, duas centenas de Doutorados e 800 Mestres, consolidando-se a qualidade académica daquela instituição.
Surge, então, a pergunta: como pode uma pessoa assim “descer de nível” ao ponto de dar explicações privadas? E eu rebato: Porque não?
Não pode ele partilhar o seu conhecimento, construído ao longo de décadas, com candidatos ao ensino superior? Seria mais respeitável, então, que ele arrumasse todo o seu saber numa gaveta e fosse gastar a sua reforma em conversas ocas num bar ou numa barraca, como infelizmente fazem alguns dos nossos académicos aposentados?
Eu acredito que os detractores das explicações do Professor Rogério Uthui estejam a pensar que ele estará em casa a receber uma infinidade de alunos, em frente a um quadro preto, com giz branco na mão. Esse tempo já passou. Estamos na era das tecnologias digitais. O conceito de “dar explicações” também evoluiu. A modernidade trouxe alternativas que ampliam as formas de transmitir conhecimento.
Actualmente, pode-se dar explicações, por via de aulas online em tempo real: Plataformas como Zoom e Google Meet permitem que professores e alunos se conectem a qualquer hora do dia e em qualquer lugar deste vasto País e até do mundo; também existem vídeos gravados e cursos em plataformas digitais: Um professor pode gravar as suas explicações e disponibilizá-las em plataformas como YouTube. Isso não apenas permite alcançar mais alunos, mas também gera rendimentos adicionais; até mesmo redes sociais, em grupo, como Facebook, WhatsApp ou Telegram podem ser usadas para tirar dúvidas em tempo real, partilhar materiais e criar comunidades de aprendizagem colaborativa. Aprendemos e usámos estas tecnologias durante a pandemia da Covid-19 e, mal ou bem, funcionou.
A questão, portanto, não deveria ser sobre “o que” o Prof. Doutor Rogério Uthui está a fazer, mas sim sobre a coragem e a nobreza de continuar a partilhar o seu saber com novas gerações, mesmo após ter ocupado cargos de destaque. Ao optar por continuar a ensinar, ele não só dignifica a sua trajectória, como demonstra que o verdadeiro valor do conhecimento reside em colocá-lo ao serviço dos outros.
Que a lição deste debate seja clara: o ensino não diminui, pelo contrário engrandece. É, realmente, uma pena que ainda existam aqueles que veem isso como m “rebaixamento”. O futuro agradece aos que escolhem ensinar