Planeamento familiar
Numa opção inusitada, as mulheres em Moçambique (jovens, em particular) estão a recorrer ao aborto como forma de planeamento familiar, descartando, deste modo, o uso de contraceptivos e outros métodos de prevenção mais recomendados.
Três em cinco jovens entrevistadas pelo Correio da manhã nas ruas da capital moçambicana, Maputo, afirmaram ter interrompido voluntariamente a gravidez pelo menos uma vez na vida.
Fânia Roldão (26 anos), estudante de contabilidade num dos estabelecimentos do ensino superior em Maputo, revelou à nossa Reportagem que há um ano abortou porque não era o “timming certo” para ter um filho, pois é mãe de um bebé pequeno (dois anos) fruto de uma relação anterior.
“Quando me separei do pai da Larissa (a bebé de dois anos), jurei que só voltaria a ter outra criança aos 30 anos e com o curso já concluído, para não ser dependente do meu futuro parceiro. Porém, o plano quase ia abaixo em Novembro de 2016, quando descobri que estava grávida do meu actual namorado, mas decidi abortar”, contou.
Carla Matavele (29 anos), casada e mãe de dois filhos, é outra das três em cinco jovens abordadas pelo Cm que também optou por interromper uma gravidez voluntariamente, admitindo que não usa pílulas porque lhe criam alergia.
“Implante nem pensar, isso faz engordar excessivamente. A pílula e o preservativo feminino também não uso porque me causam comichão”, alegou Matavele.
Porém, nem sempre essa opção pouco recomendada de planeamento familiar revela-se uma aposta relativamente acertada. É o caso de Ívia Magalhães, que há três anos recorreu a um aborto que a tornou estéril.
O que diz a lei?
A prática do aborto em Moçambique era ilegal até Julho de 2015, quando entrou em vigor o novo Código Penal no país que legalizou o acto.
De lá a esta parte, várias têm sido as interpretações da lei, com a ala mais conservadora da sociedade civil a chamar atenção sobre a necessidade da intensificação, cada vez mais, da educação sexual para que o aborto não seja considerado um método de planeamento familiar como tem acontecido.
Do lado oposto, a “ala moderna” defende que a interrupção voluntária da gravidez deve ser considerada uma forma de planeamento familiar, mas não de forma absoluta. Mostrando evidências de que penalizando o aborto as mulheres vão realizá-lo clandestinamente e, muitas vezes, em condições não adequadas, colocando em risco as suas vidas.
Em Moçambique, estima-se que pelo menos 408 mulheres morrem em 100 mil nascimentos vivos, isto é, durante o processo de gestação, sendo que o aborto inseguro constitui uma das causas dessas mortes.
As mais penalizadas são mulheres que não têm recursos financeiros para realizar o aborto numa clínica ou as que não têm conhecimentos sólidos sobre os métodos contraceptivos.
Estudos das Nações Unidas indicam que Moçambique é um dos países onde a distribuição é pouco justa, pois apenas 5,1% das mulheres com menos recursos conseguem ter acesso a contraceptivos modernos, e ainda continua a existir uma diferença significativa entre a utilização nas zonas urbanas (21,1%) e zonas rurais (7,2%).
O fraco acesso a contraceptivos é também mais reduzido em mulheres adolescentes relativamente ao universo feminino.
Entretanto, e com as políticas de acesso e de educação de saúde sexual a falhar, com a nova lei, que permite a interrupção voluntária da gravidez até 12 semanas de gestação, espera-se que o número de mulheres que perdem a vida devido ao aborto inseguro venha a reduzir.
EDSON ARANTE
Este artigo foi publicado em primeira mão na versão PDF da edição (Nº 5135) de 11 de Agosto de 2017 do jornal Correio da manhã de Moçambique