Polícias que não são polícias
Polícias que não são polícias – Adelaide Muianga, em pleno exercício das suas funções de comandante da polícia na província de Maputo, fez revelações assustadores sobre o que se passa dentro da corporação. Ela fê-las no âmbito das comemorações do Dia da Polícia moçambicana, revelações que lhe valeram demissão.
Numa atitude corajosa, disse que há agentes que usam o nome e os meios da polícia para fins criminais. Que dentro da corporação há chefes de grupos criminosos que actuam um pouco pelo país.
Com as suas declarações, levou-nos a uma viagem de introspecção dentro da polícia, que nos permitiu perceber que ela colocou o dedo na ferida. Disse o que me parece ser um assunto de domínio da casa, mas que ninguém ousa tocá-lo, sobretudo em público.
Se olharmos para um tipo de notícias que circulam nas páginas de alguns jornais da praça sobre o envolvimento de agentes da polícia em actos criminais, facilmente entenderemos que a ex-comandante tem alguma dose de razão. Senão, vejamos:
“Detido agente da PRM indiciado de liderar quadrilha que matou um guarda em Boane” (in jornal O País 20/09/2019).
“Detidos dois agentes da polícia envolvidos no assassinato de um cidadão na Beira” (in Jornal Txopela 26/04/2020).
“Agentes da polícia detidos na Matola por roubo de combustível” (in jornal O País 31/10/2019).
Se Adelaide Muianga está certa no que disse, quer dizer, então, que aquele agente da polícia afecto na esquadra próxima da nossa casa pode estar ligado a criminosos que matam, roubam e raptam empresários e seus familiares em algumas províncias do país, semeando o medo e o pânico no seio dos moçambicanos.
Significa que aquele polícia que trabalha no Comando Distrital da PRM pode ser chefe de um grupo de bandidos que roubam cabeças de gado bovino da comunidade e vendem a carne nas cidades onde há maior poder de compra.
O agente que usa a farda da polícia paga pelo suor de todos nós, pessoa a quem depositamos confiança de que nos vai proteger, pode ser um criminoso, um polícia que não é polícia.
Fazendo fé às declarações da ex-comandante, temos que admitir que aquele polícia que tem na sua posse uma arma de guerra (AK 47) ou uma pistola pode estar a usá-la para fins criminosos.
Aquele que ao cair da noite faz patrulha nas cidades. Nos subúrbios e em algumas zonas de expansão, que interpela cidadãos na via pública e que vemos por aí, pode ser chefe de bandos de criminosos ou simplesmente membro.
Aquele oficial de dia que recebe dezenas de cidadãos que se vão queixar na esquadra por vários motivos: violência doméstica, roubo, burla, assassinato, violência sexual, também pode ser um dos polícias referidos pela ex-comandante da PRM na província de Maputo.
Como vamos saber, agora, qual é o polícia que é mesmo polícia? Aquele que está ao serviço do povo moçambicano e que com ou sem meios, faz o seu melhor para garantir a segurança do pacato cidadão? Ao operário da fábrica. Ao contribuinte que paga o imposto para ser protegido pela polícia.
Como termos a certeza de que estamos em presença do verdadeiro polícia, aquele a quem podemos confiar, quando um agente nos interpela na via pública?
Como podemos ter a garantia de que nada nos sucederá se nós denunciarmos criminosos que aterrorizam as populações da aldeia ou do bairro? Bandidos cujos rostos são conhecidos na comunidade, mas ninguém ousa aponta-los o dedo porque, como eles próprios dizem, têm costas quentes.
Assaltam residências, violam mulheres, algumas a regressarem da escola ou do emprego. Arrancam telemóveis de transeuntes e para o espanto das pessoas, quando presos, os malfeitores são soltos logo a seguir e vingam-se dos seus denunciantes.
Agora percebemos a razão da impunidade que alguns criminosos gozam a nível do bairro, da vila, do distrito, da província e o seu à vontade quando presos. Afinal têm mesmo costas quentes e estão confiantes de que vão ser soltos logo a seguir.
Como podemos colaborar com a polícia na denúncia de malfeitores, em resposta ao chamamento do Comandante Geral da PRM, se podemos estar a vender-nos ou a enganar-nos a nós próprios a pensar que estamos a fazer o nosso melhor para o bem da maioria, quando estamos a falar com um dos colaboradores dos criminosos?
O Comandante Geral da Polícia, que eu tanto admiro pela sua abertura e frontalidade, diz que a polícia nunca será forte sem a colaboração da comunidade.
É verdade que o casamento polícia-comunidade já foi sólido, particularmente nos tempos da revolução que se seguiram à independência nacional, em que o poder estava mesmo nas mãos do povo. O cidadão comum falava. Denunciava tudo. Dava cara e nada de mal acontecia na sua vida, porque tinha um forte apoio político do regime.
O divórcio consumou-se quando os denunciantes viraram os denunciados perante a polícia. Quando os criminosos presos com a colaboração de alguns informantes da comunidade são soltos sem explicação plausível e vistos a passearem a sua classe no bairro, no distrito ou na província, além de proferirem ameaças contra os seus denunciantes.
Oficialmente, no país há uma lei que protege ao denunciante na tentativa de namorar as pessoas de boa-fé para retomarem a sua colaboração com as autoridades policiais. Mesmo assim, pouca coisa mudou desde que a mesma entrou em vigor. A reconciliação não está a sair. As pessoas entendem que o melhor é ficar calado para evitar problemas.
Por isso que nem os vizinhos se conhecem. Ninguém sabe o que faz o da frente, o de lado ou o de trás. Ninguém questiona nada. Mesmo enriquecimentos ilícitos. Ninguém denuncia a ninguém, mesmo sabendo que o bandido vive ao lado. As pessoas não querem problemas.
Entendem que o melhor é mesmo fechar a boca para não cair nas mãos de polícias que não são polícias ou até que haja garantia de que os nomes dos denunciantes são mantidos em segredo para a sua proteção. Até que a implementação da lei de proteção dos colaboradores da polícia seja efectiva e os informantes sintam o prazer de ajudar a chegar a alguns criminosos procurados pela PRM.
Aí, sim, o casamento polícia-comunidade será reactivado e na base de confiança mútua e se é isso que, efectivamente, falta para a polícia brilhar ou tornar-se mais forte, então irá brilhar para sempre.
Aos meus amigos polícias, aos verdadeiros polícias, vai o meu reconhecimento pela vossa dedicação, honestidade, profissionalismo e empenho na garantia de segurança para o cidadão.
ALEXANDRE CHIURE
Este artigo foi publicado em primeira-mão na versão PDF do jornal Correio da manhã, na sua edição de 05 de Junho de 2020, na rubrica OPINIAO
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