PODEMOS encosta-se à parede: o acórdão que bloqueia a segunda volta e as duas saídas que restam

O Tribunal Judicial de KaMavota foi claro. O partido “absten-se de realizar segunda volta” e de qualquer acto que ponha em causa “a eleição já consumada” de Alberto Ferreira, até haver sentença definitiva. Quem desobedecer arrisca sanções judiciais. Com esta decisão, o juiz fecha a porta à manobra política ensaiada pela direcção de Albino Forquilha para impor novo escrutínio, alegando falta de maioria absoluta. A crise interna mudou de patamar: já não é um braço-de-ferro dentro do partido, é matéria de ordem judicial.

Forquilha tentou sustentar o recuo com argumentos de disciplina: “ninguém pode extrapolar as doutrinas do partido”. O Conselho Nacional teria legitimidade para exigir 50 % +1, insistiu. A providência cautelar, contudo, evitou que essa leitura dos estatutos saísse do papel. O juiz viu maioria simples, ponto final. A narrativa de “doutrina partidária” perdeu força jurídica e expôs divergências sobre regras básicas de governação interna.

Chegados aqui, PODEMOS dispõe de apenas duas saídas práticas.

1. Empossar Ferreira já e removê-lo depois, nos termos estatutários

Se o partido reconhecer o acórdão, a direcção faz o mínimo exigido: confirma Ferreira como Secretário-geral, regista o acto e ganha tempo. De seguida, pode desencadear o mecanismo de retirada previsto nos estatutos, usando um órgão superior (Conselho Nacional ou Congresso) para votar a destituição. Vantagens:

Conformidade com a lei. Cumpre a ordem judicial, evita multas ou processos por desobediência.

Previsibilidade. Os militantes sabem que as regras internas continuam a valer.

Redução de danos públicos. O partido mostra respeito institucional, o que dificulta ataques de adversários que o acusam de desorganização.

Riscos:

Rebelião interna. A ala que apoia Ferreira pode mobilizar bases e transformar a destituição em nova batalha política.

Calendário apertado. Convocar o órgão competente, mobilizar delegados e correr contra o relógio eleitoral implica despesas e desgaste.

Imagem de retaliação. O público pode ler a destituição como vingança, não como aplicação de princípios.

A chave estará na transparência do processo. Se o partido provar que o faz por coerência estatutária, mantém a narrativa de ordem interna. Caso o processo pareça casuístico, virá mais desgaste.

2. Repetir a “solução Simango” e transformar o SG em figura decorativa

Daviz Simango, no MDM, enfrentou crises semelhantes. Quando o então Secretário-geral Ismael Mussá entrou em colisão com a liderança, Simango não o demitiu de imediato. Manteve-o, mas retirou-lhe poder político real. O resultado foi um dirigente formalmente presente, mas sem influência, enquanto o partido seguia noutra direcção.

PODEMOS poderia copiar a táctica: empossar Ferreira, criar comissões paralelas, deslocar competências para a presidência ou para o porta-voz e esvaziar a figura do SG. Vantagens:

Pressão legal nula. Cumpre o acórdão porque honra a posse.

Controlo político. A direcção mantém o leme sem ter de convocar congressos extraordinários.

Riscos:

Cinismo exposto. Militantes e simpatizantes percebem a manobra. O discurso de democracia interna perde credibilidade.

Síndrome do “espantalho”. Um Secretário-geral decorativo é sinal de fraqueza institucional e projeta imagem de caciquismo.

Fuga de quadros. Dirigentes com ambição real procuram alternativas onde o cargo tenha peso efectivo.

Qualquer caminho passa por comunicar bem

A disputa já ocupou manchetes e posts em redes sociais. Se PODEMOS seguir a via da destituição, deve explicar, com datas e artigos estatutários, por que o faz. Se optar pelo “espantalho”, precisa reconhecer que escolhe uma solução de compromisso para salvar a unidade a curto prazo. O silêncio, como lembra o caso do MDM, alimenta rumores e erosiona a confiança.

Num cenário competitivo, onde a oposição pretende posicionar-se como alternativa séria à FRELIMO, credibilidade é capital político. A decisão de KaMavota tornou-se um teste imediato à maturidade institucional de PODEMOS. Ou assume a legalidade, ainda que custe acomodar divergências, ou abraça expedientes que lhe garantam controlo formal, mas corroem reputação.

O relógio corre

Enquanto o partido decide, Ferreira mantém o título e a voz. Qualquer acto que o afaste sem seguir ritos claros poderá ser questionado em tribunal, prolongando a crise. Empossá-lo e, depois, resolver a disputa com votos ou com a “solução Simango” são, por ora, as únicas saídas. Ambas exigem disciplina, paciência e comunicação assertiva. A primeira privilegia a transparência estatutária, a segunda a gestão de conveniências políticas.

A base militante e o eleitorado vão julgar qual caminho traduz respeito pelos princípios que o PODEMOS apregoa desde a fundação. Se as lideranças errarem o tom, o episódio do Secretário-geral não será apenas uma mancha passageira. Pode tornar-se a história que o adversário repetirá, nos comícios e nas redes, sempre que quiser provar que a oposição promete renovação, mas reproduz velhos vícios.

EGÍDIO VAZ — Historiador & Estratega de Comunicação | egidiovaz.com

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