Carta aberta a Severino Ngoenha e Adriano Nuvunga

Carta aberta a Severino Ngoenha e Adriano Nuvunga: entre a metáfora e a revolução, falta o chão  

Prezados Professor Severino Ngoenha e Adriano Nuvunga,  

Li ambos os textos com a atenção que merecem — um, um lamento poético-filosófico sobre a morte e a possível ressurreição de Moçambique; o outro, uma resposta incisiva que exige nomes, culpados e ação concreta. Mas confesso que, após a leitura, fiquei com a sensação de que ambos, cada um à sua maneira, continuam presos a armadilhas que impedem Moçambique de avançar.  

Professor Ngoenha, sua metáfora da Sexta-Feira, do Sábado e do Domingo é poderosa, mas corre o risco de ser apenas isso: uma metáfora. Transformar a dor moçambicana em narrativa pascal pode ser reconfortante para alguns, mas não tira ninguém da vala comum. Quando fala de “cultura da cruz”, parece sugerir que o problema é uma espécie de mal-estar colectivo, uma falha moral do povo. Mas Moçambique não está crucificado por um destino metafísico — está sendo assassinado por elites políticas, econômicas e militares muito reais, com nomes e endereços conhecidos. Sua linguagem, ainda que bela, pode servir de álibi para quem prefere a contemplação à confrontação.  

Adriano Nuvunga, você acerta ao exigir denúncias concretas e não se contentar com abstrações. Mas sua crítica, por mais justa que seja, também peca por reduzir a solução a um chamado à “insurgência cidadã” e à “desobediência ética”, como se a mera exposição dos culpados fosse suficiente. Moçambique já sabe quem são os seus carrascos — o que falta é poder para derrotá-los. E aqui, ambos falham: o senhor, professor Ngoenha, por não nomear os algozes; e você, Nuvunga, por não propor um caminho viável para além do protesto.  

Onde está a organização popular? Onde está a estratégia para além das palavras? Ambos falam de “ressurreição” e “ruptura”, mas quem, de facto, está construindo as alternativas? Não adianta trocar a metáfora religiosa pela metáfora revolucionária se, no fim, continuamos apenas no terreno da fala.  

Moçambique não precisa só de filósofos que descrevam sua agonia, nem só de activistas que apontem os assassinos. Precisa de gente que una o diagnóstico à prática, que transforme a revolta em projecto. Enquanto discutimos se a linguagem deve ser mais ou menos metafórica, mais ou menos directa, o povo continua sangrando — e os poderosos, rindo.  

Chega de discursos. Ou agimos, ou seremos cúmplices do Sábado eterno que ambos, cada um à sua maneira, denunciam.  

Sem metáforas,  

JÚNIOR RAFAEL OPUHA KHONLEKELA

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