Golpe sem Estado, mas com estrelato
A revolução do sofá na RENAMO. Enquanto o mundo vira os olhos para os golpes de Estado clássicos — tanques nas ruas, generais fardados e comunicados lidos com voz trêmula na televisão estatal — Moçambique inova. Aqui, o golpe é doméstico, partidário, e mais parece roteiro de novela política mal ensaiada. Esqueça os quartéis: o campo de batalha foi a sede nacional da Renamo, e os soldados… bem, eram ex-guerrilheiros com saudades da guerra e pouca paciência para democracia interna.
Tomaram a sede, como quem toma posse de uma casa herdada à força. Não foi um ataque furtivo, nem um golpe à meia-noite. Foi à luz do dia, com direito a ocupação prolongada, reivindicações gritadas e até um quê de reality show: Renamo Confidencial – Quem Sai, Quem Fica?
Do outro lado do enredo, o presidente Ossufo Momade, que parece ter lido mais Sun Tzu do que Maquiavel, optou pela estratégia do sumiço. Desapareceu no estilo “me procurem nas entrelinhas”. De alguma parte incerta do território nacional (ou talvez emocional), nomeia figuras novas como se fosse montar uma Renamo versão 2.0, feita sob medida para ignorar a versão raiz, aquela com lama nos coturnos e cheiro de pólvora ideológica.
Os ex-combatentes exigem sua demissão, como quem exige que o garçom troque um prato que veio frio. E ele? Ele responde com nomeações, comissões, discursos de resistência. Mas do tipo passiva-agressiva, como quem diz: “Vocês me derrubam, mas não me desinstalam.”
Chamemos as coisas pelo nome. É golpe, sim. Mas não de Estado. É golpe de sofá, de camaradagem rachada. Golpe de partido. Uma espécie de revolução burguesa, mas feita de camuflado e ressentimento.
Não tem tanques, mas tem ressentimentos blindados. Não tem tiros, mas as palavras são balas disparadas nas entrelinhas dos comunicados. É um teatro onde ninguém sabe quem dirige e todo mundo quer o papel principal.
Se um dia a Renamo foi sinônimo de resistência armada contra o poder central, hoje ela resiste a si mesma. Os velhos combatentes querem recuperar a glória — ou, no mínimo, a mobília da sede nacional. E Ossufo quer governar sem ser governado pela história.
E assim seguimos. Sem golpe de Estado. Mas com golpe de partido. Um país onde até o dissenso é institucionalizado e a crise é só mais um capítulo na série “Moçambique: Política em Estado de Ensaio”.
JÚNIOR RAFAEL OPUHA KHONLEKELA
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