O voo que nunca decolou

Dizem que todo o aeroporto nasce de um sonho: o de conectar pessoas, lugares, culturas. Mas em Moçambique, o Aeroporto Filipe Jacinto Nyusi, erguido em Gaza, parece ter nascido de outro tipo de ambição — mais terrestre que aérea. Agora, rumores e manchetes indicam o encerramento da infraestrutura por falta de passageiros. Um aeroporto sem aviões, sem voos, sem passageiros. Um corpo sem alma.

Quem decidiu que Chongoene precisava de um aeroporto internacional de 13 milhões de dólares norte-americanos? Que estudos foram feitos para justificar tamanho investimento num distrito isolado, com pouca actividade turística, económica ou mesmo empresarial? Há quem diga que a pista era mais um gesto simbólico do que estratégico, uma homenagem política travestida de desenvolvimento. De facto, muitos alegam que a obra foi movida por interesses de visibilidade e vaidade, não por uma avaliação realista das necessidades locais.

A história do Aeroporto Filipe Jacinto Nyusi talvez seja a metáfora perfeita do modo como certos projetos públicos em Moçambique são conduzidos: planos traçados em gabinetes refrigerados, sem o calor da realidade social. A tal “visão estratégica” parece ter ignorado o mais básico: para haver um aeroporto funcional, é preciso fluxo. Fluxo de pessoas, de bens, de ideias — não apenas o fluxo de discursos políticos inflamados no dia da inauguração, nem de placas douradas celebrando feitos que nunca se concretizaram.

Encerrar o aeroporto não deveria ser o fim da história, mas o início de uma prestação de contas. Afinal, quem lucrou com a construção? Que empresas foram contratadas? Quem assinou os relatórios que davam viabilidade a esse empreendimento? E mais: por que, mesmo diante de alertas sobre a baixa demanda, insistiram no projecto?

A crônica de hoje não é apenas sobre concreto, pistas e torres de controlo. É sobre prioridades deturpadas, sobre o descompasso entre o discurso de desenvolvimento e a realidade das populações. Gaza precisa, sim, de desenvolvimento — mas talvez começando por hospitais funcionais, escolas equipadas, estradas transitáveis. O povo não vive de pousos e decolagens que nunca acontecem.

O Aeroporto Filipe Jacinto Nyusi parece ter se tornado aquilo que os críticos chamam de “elefante branco”. Mas elefantes não voam, e este, ao que tudo indica, nunca sequer saiu do chão.

Que fique como lição, e não como monumento ao descaso: políticas públicas não podem ser projetos de vaidade pessoal. E se há responsáveis por esse desperdício, que sejam chamados pelo nome — pois num país onde tanto falta, o luxo de errar caro não pode continuar impune.

JÚNIOR RAFAEL OPUHA KHONLEKELA

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