Quem tem medo do ANAMALALA

A recente controvérsia envolvendo o partido ANAMALALA e seu líder lança luz sobre um terreno instável na jovem democracia moçambicana: os limites do dissenso, a selectividade da justiça e a manipulação dos símbolos nacionais. O nome escolhido para o partido — ANAMALALA, termo oriundo de uma língua nacional — foi considerado divisivo por decisão judicial. Mas o que, de facto, divide o país: o uso de uma língua materna ou a censura selectiva disfarçada de zelo pela unidade nacional?

Segundo a Constituição da República de Moçambique, no seu artigo 9, “o Estado valoriza as línguas nacionais como património cultural e educativo”. O bilinguismo nas escolas, por exemplo, é uma política pública que visa justamente preservar e promover as línguas locais. Então, por que uma sigla partidária em língua nacional é vista como ameaça à unidade, enquanto projectos estatais em prol do uso dessas mesmas línguas são celebrados como progresso? O paradoxo é gritante.

Mais ainda: partidos como AMUSI (Acção do Movimento Unido para a Salvação Integral) e PAHUMO (Partido Humanitário de Moçambique), também têm nomes formados a partir de línguas locais. Nenhum deles foi interditado por fomentar “divisionismo”. Onde está, portanto, a coerência jurídica e institucional? Será que o problema está no nome ou no seu proponente? Estaríamos diante de um “excesso de zelo patriótico” selectivo, ou de uma tentativa de asfixiar politicamente um adversário que ousa fazer barulho fora do coro dos contentes?

A justiça, neste caso, parece agir com uma pressa curiosa: o líder do partido foi intimado, via jornal, a pagar mais de 32 milhões de meticais por supostos danos causados por manifestantes — como se fosse possível responsabilizar directamente um indivíduo por actos colectivos e muitas vezes espontâneos de revolta popular. A rapidez com que o Ministério Público se move para cobrar a multa contrasta com a lentidão em resolver casos graves de corrupção, abusos de poder e violência institucional. É justo ou ganância, apenas? É legalismo ou estratégia de contenção política?

É necessário lembrar que em Portugal, por exemplo, existe um partido com o nome provocador de “CHEGA”. O nome não foi impedido, apesar de carregar conotações polarizadoras. O que há, então, de tão perigoso em ANAMALALA? Que ameaça representa uma palavra de origem local em um país que se proclama multicultural e multilíngue?

O discurso da “unidade nacional” tem sido, em muitos contextos africanos, um manto sob o qual se escondem práticas autoritárias. A unidade, quando imposta pela censura, torna-se caricatura de si mesma. O verdadeiro perigo para a coesão de Moçambique não está nos nomes dos partidos, mas na incapacidade do Estado de garantir igualdade de tratamento, justiça imparcial e liberdade de expressão para todos os cidadãos, sem exceções.       

A pergunta que fica é: quem decide o que num país democrático? Quando a burocracia e o judiciário se tornam ferramentas para impedir o pluralismo político, o risco maior não é o “divisionismo”, mas o silencioso colapso da democracia. O povo, esse sim, deve ser o juiz final — nas urnas, no debate público, no direito de organizar-se e expressar-se, mesmo que isso incomode o poder constituído.

Moçambique precisa decidir se quer ser uma democracia vibrante ou apenas uma democracia decorativa. E nesse processo, talvez o ANAMALALA não seja o problema, mas o espelho incômodo que reflecte o que muitos fingem não ver.

Impedir a existência do ANAMALALA é provocar assuntos latentes e a curto prazo isso pode desembocar em um descontetismo generalizado que será difícil travar. Ou os nossos chefes gostam e amam a balbúrdia?

JÚNIOR RAFAEL OPUHA KHONLEKELA

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