Um Estado cativo

No coração de uma nação que outrora sonhava com liberdade e justiça, ergue-se hoje um silêncio ensurdecedor — o silêncio do medo, da resignação e da desilusão. É o som de um povo que já não acredita na promessa da República, nem na independência do Estado, nem no poder transformador do voto. Um país onde o partido se fez carne e habitou todos os órgãos, instituições e consciências. Onde tudo é Frelimo, e nada mais respira fora desse organismo político que se confunde com o próprio oxigênio da nação.

Desde os tempos de Samora Machel, o ideal revolucionário tinha sua lógica, seu contexto histórico e sua razão de ser.

Mas o que se vê hoje não é herança — é distorção. Um projecto antigo, sofisticado e bem-sucedido de captura do Estado, que se aperfeiçoa a cada transição de poder. Daniel Chapo, produto não do voto livre, mas do consenso fechado entre quatro paredes, surge não como um novo começo, mas como continuação do velho roteiro: o poder central decide, o povo obedece. A Comissão Política dita, a Constituição dobra-se.

Não há Estado de Direito onde a lei é lida pelo partido. Não há democracia onde a alternância é impossível, onde a oposição serve apenas para preencher o palco e validar a peça. Não há esperança onde o futuro é pré-determinado por um pequeno círculo de intocáveis que já decidiram há muito quem pode e quem não pode sonhar com o poder.

As instituições, essas que deveriam ser guardiãs da soberania popular, foram diluídas em interesses partidários. A Procuradoria, os tribunais, a Assembleia, os órgãos eleitorais, os media públicos — todos alinham o discurso, todos protegem os mesmos rostos. Não há fiscalização possível quando todos os fiscais usam o mesmo uniforme do partido.

E agora, mais do que nunca, a ditadura não precisa de tanques nas ruas. Ela se instala nos corações cansados, nas bocas caladas, na normalização do absurdo. Instala-se quando o povo, com medo de perder o pouco que tem, escolhe o silêncio em vez da indignação. Instala-se quando o sonho de um futuro melhor é substituído pela necessidade de sobreviver ao presente.

Mas como disse Jesus: “Nada há de oculto que não venha a ser revelado”. A história não perdoa eternamente. Os regimes que parecem eternos, ruem de dentro. E mesmo neste chão ferido, onde a semente da justiça parece ter morrido, um dia a verdade brotará. Mas até lá, resta-nos a memória, a escrita e o lamento. Porque lamentar também é resistir. E resistir, por mais tênue que pareça, ainda é uma forma de esperança.

Entraremos em momentos difíceis onde cada um será perseguido sem piedade. Entre o silêncio e a fala, imperará o silêncio. Só nos resta também escolher entre viver a dor eternamente ou enfrentar os dias que se seguirão. 

JÚNIOR RAFAEL OPUHA KHONLEKELA

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