Flagelados e entregues à sua sorte em Estevel

Num ápice viram os seus aposentos devastados pela fúria das águas em Fevereiro de 2023 e foram, precipitadamente, retirados de Tedeco, Khongolote e Malhampsene, no município da Matola, para o distrito de Boane, concretamente na zona de Estevel. Era o princípio de um calvário para os integrantes de centenas de famílias, ainda sem fim à vista.

À chegada, ainda com pertences molhados e com o trauma na mó de cima, foi lhes dito que o reassentamento seria “temporário”, mas já lá vão mais de dois anos e a única assistência que recebem do governo, em parceria com o Instituto Nacional de Gestão e Redução do Risco de Desastres (INGD), é a mudança de tendas, quando estas se danificam.

Mesmo cientes da velha máxima segundo a qual “a esperança é a última coisa a perecer”, a avaliar pelos discursos repetidos pelos afectados, para já reinar um conformismo com a sina a que estão votados e já só falam do que os futuro lhes pode oferecer, incluindo aos seus rebentos, em Boane.

A convicção prevalecente entre os integrantes das mais de 250 famílias “esquecidas” em Estevel é a de que as promessas de recomeço de uma vida condigna, com o apoio do INGD, governo e autoridades locais, não passam de ladainha para os entreter.

“Eu vivia numa casa de alvenaria. Hoje vivo debaixo de uma tenda plástica da qual não tenho perspectiva de sair, com a agravante de ter caído no desemprego”, deplora Sónia Fernando, uma das deslocadas oriunda de Tedeco.

“Às vezes, quando chove, molhámos, o mesmo acontecendo aos nossos pertences. Na época do calor, as crianças quase desmaiam à noite”, prossegue.

Sem vias de acesso rápido, sem saneamento básico e com acesso limitado aos serviços de saúde e educação, os moradores vivem uma realidade que desafia qualquer noção de dignidade humana.

Não queremos comida. Queremos futuro!

“Não queremos comida. Queremos futuro! ” Este é quase o clamor unanime dos reassentados em Estevel.

A frustração é partilhada por líderes comunitários locais, que compreendem os efeitos nefastos das intempéries, mas lhes custa compreender a “insensibilidade” dos governantes que “simplesmente abandonam à sorte” seus semelhantes,  

“Nós não queremos que venham só trazer comida. Queremos que o governo, com apoio de empresas ou ONGs, crie oportunidades de emprego aqui mesmo. Os jovens estão parados e desesperados”, prossegue Sónia Fernando, que fala na capacidade de representantes da comunidade local.

José Mandlate, outro morador, lembra que, no início, foi proibido de construir uma casa com material definitivo, por conta própria.

“Os representantes do governo disseram que uma empresa habilitada viria construir as nossas casas. Então não nos deixaram construir com o pouco dinheiro que tínhamos e o tempo foi passando e o valor esfumou”, afirma.

Mandlate diz que espantosamente e já sem aquela pompa do tempo das promessas hoje os responsáveis governamentais dizem que que pode tem luz verde para construir. “Só que já não tempos o dinheiro para tal e da empresa de que falavam hoje fingem amnésia”.

Ante as promessas não honradas e com o passar do tempo os responsáveis do município de Boane evidenciam não possuir um plano de accao concreto para acudir aos reassentados de Estevel, e as manifestações pós-eleitorais [entre Outubro de 2024 e Fevereiro de 2025] são usadas como álibi.

“Depois das manifestações que terminaram em vandalizações, a nossa base tributária ficou extremamente afectada e a nossa capacidade de arrecadar impostos automaticamente reduziu. Então, dizer que concretamente vamos distribuir sacos de cimento, vamos distribuir blocos, nós não estamos em condições”, afirmou a edil de Boane, Geraldina Bonifácio, em declarações ao jornal Redactor.

A edil deixo claro que doravante “o esforço principal do governo é garantir que as famílias tenham espaços condignos para viver”.

Segundo dados do INGD, são mais de oito mil o total de famílias foram afectadas pelas cheias de 2023 na província de Maputo.

No entanto, algumas comunidades conseguiram avançar com a construção de habitações dignas, é o caso de Mandlakazi, na província de Gaza, também no Sul de Moçambique, após o ciclone Dineo, porém em Estevel (Maputo), a esperança continua amarrada a estacas de madeira, tentando resistir às chuvas, ao vento e ao esquecimento.

ORLANDA BOANE (texto) e JOSHUA NEUSO (fotos)

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