Dois mistérios por desvendar em Moçambique

Apesar de Moçambique ser o segundo maior exportador de grafite do mundo e de ocupar um papel fundamental na transição energética, com grande potencial de energia limpa, a transição energética continua sendo um mistério para o empresariado e para o cidadão.

Na COP 28, o ex-Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, apresentou como algumas das resoluções para o país, descarbonizar a indústria de transportes públicos em Moçambique e o investimento em fontes de energia renováveis.

Um dos principais objectivos estratégicos do sector público é elevar a taxa de electrificação nacional até aos 100% até 2030.

Segundo a EDM, entre 2023-2028, cerca de 58% da capacidade de produção deverá ser através de fontes renováveis.

Contudo, a realidade no terreno mostra-se distante do idealizado, sem acções concretas para o alcance dos objectivos e com total descaso do “minério verde”, que também faz parte do plano apresentado pelo presidente.

A exploração de grafite em Balama

No distrito de Balama, a Syrah Resources, empresa australiana, explora através da TWIGG Exploration and Mining, aquela que é considerada a maior mina de grafite a céu aberto do mundo, com exportações para a China e os Estados Unidos da América (EUA).

Dos cerca de 210.918 habitantes do distrito, mais de 94.661 (45%) vivem sem energia eléctrica convencional ou derivada directamente da exploração de grafite moçambicana.

Nas localidades de Kwekwe, Ntete, N´cuíde, Balama-sede, Mpaka e Muapé, os cidadãos foram uniformes em afirmar que nunca viram a grafite, e nem sabem sequer para que serve.

“Tudo o que vemos são camiões fechados a passar, por vezes, saem mais de dez camiões por dia. Sabemos que lá dentro tem grafite, mas nunca vimos, nunca nos foi apresentada, também nunca ouvimos dizer para que serve”, disse António Adamo, chefe da localidade de Muapé, em entrevista ao jornal Redactor.

No momento, avistamos diversas residências que recorriam aos painéis solares para obter energia. Os cidadãos não sabem sequer que a grafite extraída em Cabo Delgado pode ser usada para o fabrico daquelas ferramentas.

Na localidade de Mpaka, um projecto implementado por uma entidade montou uma central termoeléctrica que fornece energia naquele local. No entanto, nada tem a ver com a exploração de grafite naquele distrito.

De acordo com o Observatory of Economic Complexity (OEC), em 2022 e 2023, a TWIGG exportou 9,21 milhões de dólares em grafite para os EUA. No mesmo ano, exportou 29,4 milhões de dólares em grafite para a China.

Os Relatórios da Iniciativa de Transparência da Indústria Extractiva de 2023 indicam que a TWIGG contribuiu em 2020 e 2021 com 352,2 milhões de Meticais em ganhos fiscais, dos quais apenas 2,30 milhões foram alocados ao distrito em 2021.

Actualmente, não existe em Moçambique ou em Cabo Delgado um projecto que visa fazer o uso do grafite que é extraída no país. As empresas que prestam serviço à TWIGG são, na sua maioria, de logística e muitas sequer são da província de Cabo Delgado.

O que reforça o posicionamento da Ernest and Young, segundo o qual o “panorama energético actual de Moçambique é marcado por uma dependência significativa de fontes de energia não renováveis, principalmente o gás natural”.

Descarbonizar o sector dos transportes

Outra promessa feita pelo Presidente da República na COP 28 foi a de “descarbonizar o sector dos transportes”.

Actualmente, a única montadora de autocarros existente no país, a Matdjedje Motors, ainda não começou a fabricar carros eléctricos e não existem projectos voltados nesse âmbito, conforme apuramos.

Uma iniciativa que pode ser considerada no aspecto da descarbonização é o uso de autocarros eléctricos por parte da SIR Motors.

Neste aspecto, Moçambique tem contribuído fortemente para o estabelecimento da Tesla, propriedade do bilionário americano Elon Musk, considerado o homem mais rico do mundo pela revista Forbes, como maior fabricante automotivo eléctrico e, no geral, do mundo, em termos de capitalização do mercado.

Outrossim, também tem contribuído activamente para o estabelecimento de fabricantes chineses no sector de veículos eléctricos e competidores directos da Tesla Motors, como é o caso da BYD.

No acampamento montado pelos antigos moradores dos locais de exploração da TWIGG (Redactor N° 7060, págs. 1,2 e 3), que ainda reclamam os pagamentos das indemnizações pelas terras, apenas um dos moradores conhecia o nome Elon Musk, contudo, não soube explicar o seu papel na exploração de grafite.

É de destacar ainda que uma das promessas feitas pela TWIGG aos moradores foi de electrificar as áreas afectadas pela exploração. Contudo, volvidos oito anos, a promessa não foi cumprida na totalidade e a energia fornecida é de origem hídrica.

Mulher e criança na transição energética

O distrito de Balama, segundo relatórios do Instituto Nacional de Estatísticas (INE), tem cerca de 210.358 habitantes, dos quais 52,8% são mulheres e 30,3% são menores de 15 anos.

Dados fornecidos pela Acção Social no distrito dão conta de que, do total de crianças, cerca de 14% não têm acesso à educação formal.

As raparigas representam o menor número de inscritos para a educação formal, apesar de serem a maioria populacional em termos percentuais.

O plano quinquenal do governo (2020-2024) para o sector da educação tinha como um dos objectivos “garantir um ambiente e condições de aprendizagem de qualidade no Ensino Primário para a aquisição de competências de leitura, escrita e cálculo”.

Contudo, a Acção Social no distrito disse que as 55 escolas existentes no distrito se mostram insuficientes para a demanda de crianças, o que afecta a qualidade do ensino. Algumas escolas registam turmas com mais de 150 alunos.

Abílio Manuel, Director interino da Escola Básica de Mpaka, uma das localidades no raio de exploração da TWIGG, que à altura da nossa visita tinha salas de aulas com mais de 130 alunos, reiterou que a sua escola nunca recebeu nenhum tipo de apoio da TWIGG.

“Desde que estão aqui há mais de oito anos, nunca recebemos nenhum tipo de apoio. As acções que têm beneficiado a escola derivam de outros projectos sociais implementados na zona”, comentou Abílio Manuel.

Ante o osso pedido de cruzamento de dados, o Director Distrital de Educação de Balama declinou nos atender, mesmo depois de ter aceite nos conceder entrevista.

Mulher no sector mineiro

O acesso ao emprego para a mulher continua a ser um desafio em Balama.

Houve integração de mulheres na TWIGG, mas a maioria dos contratos não teve duração de mais de seis meses e muitos destes contratos eram para posições de serviço doméstico nas residências dos trabalhadores daquela empresa.

As entrevistadas reclamaram ainda diferenças salariais gritantes para pessoas que trabalham no mesmo sector.

Como prova da afirmação, foi-nos fornecida uma cópia da folha salarial da TWIGG que foi arrancada de um dos escritórios aquando da última greve.

“A empresa só valoriza os forasteiros. Os locais têm todos um salário base de 7.000 meticais, independentemente da posição ocupada. Mesmo os que estudaram e concluíram o nível básico e secundário são admitidos com o nível rudimentar” – afirmou uma das testemunhas.

Na comunicação enviada por e-mail à nossa instituição, a TWIGG afirma que “os salários reflectem as competências, a experiência e as qualificações exigidas para cada função, assegurando que os funcionários são remunerados de forma justa em relação às práticas do sector”.

Embora em menor número, também existem mulheres na TWIGG que trabalham directamente no sector extractivo, como é o caso de Latifa Hassane, que trabalha no processamento do grafite a nível da planta de Balama.

A funcionária afirma nunca ter visto um produto acabado do grafite e que não conhece o valor do produto no mercado. Contudo, mostrou-se satisfeita com a posição que ocupa a nível da empresa, apesar dos desafios.

Um facto que chama atenção é que, de facto, como se pode confirmar na folha de salários em anexo, os trabalhadores locais têm todos um salário de 7.000 meticais, e os que têm salários superiores são subcontratados e não são locais, com diferenças salariais que chegam a ultrapassar 150 vezes os 7.000.

Cartas submetidas, ao Ministro da Energia Recursos Minerais e Energia não foram respondidas.

STÉLVIO MARTINS (Texto e fotos)

Este artigo foi publicado em primeira mão na edição em PDF do jornal Redactor do dia 16 de Fevereiro de 2025.

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