“Refresco” ou “lave-me as mãos” imperam em Mogovolas

Cobranças ilícitas nas maternidades continuam a engrossar lista de desistência à partos institucionais em Mogovolas, cenário denunciado com detalhe por algumas das vítimas destes destratos

A problemática de mau atendimento associado a cobranças ilícitas um pouco por todas unidades sanitárias da Província de Nampula, com destaque o distrito de Mogovolas. 

Soubemos ainda que em casos de complicações de parto, a transferência dos pacientes das maternidades localizadas nos postos administrativos à vila-sede ou ao Hospital Central de Nampula, tem sido condicionado ao abastecimento de combustível das ambulâncias através do bolso dos doentes ou acompanhante, situações que tem vindo a desencorajar os partos institucionais, assim como elevar os índices de mortes e mortalidade infantil.

A semelhança dos outros pontos do país, onde a problemática de mau atendimento e cobranças ilícitas aos pacientes tendem a aumentar, o distrito de Mogovolas não foge à regra, sendo os postos administrativos de Namitil-sede, Iulute e Nanhupo-Rio respectivamente, como os principais “rostos” situação que tem desconfortado os utentes a ponto de soltarem grito de socorro as autoridades de direito, com vista a inverter tal cenário.

Soubemos ainda que as maternidades e os sectores de consultas pré-natais são os que mais casos registam, situação que tem desmotivado a procura dos serviços públicos de saúde por parte das mães, pese embora as campanhas de massificação de mensagens para o uso destes serviços por serem considerados seguros de acordo as quatro fontes por nos ouvidas.

A título de exemplo, algumas das entrevistadas pelo jornal Redactor denunciaram que para um parto saudável é necessário pagar valores monetários que variam entre 500 a 2000 mil meticais, para evitar riscos diversos, incluindo perda de vida da parturiente ou do recém-nascido, daí decorrentes caso não desembolsar o valor à equipa de parteiras em serviço, atos que dizem serem recorrentes.

Francisca Abílio, mãe de duas filhas, e residente da vila sede de Namitil-sede, no distrito de Mogovolas, é uma das utentes do posto de saúde daquela circunscrição geográfica, a qual diz não guardar boas recordações em torno do atendimento pelo qual foi submetida, caracterizado por injúrias e cobranças ilícitas, ao ponto de hesitar em ficar mais grávida pese embora ainda tenha vontade de ter mais filhos.

“Aqui em Namitil é difícil para nós que somos mães. Este constrangimento virou algo normal neste hospital, fui cobrada um valor de 500 meticais, e na devida altura não dispunha do tal dinheiro, recorri a uma vizinha, que me deu a título de crédito e só assim é que fui atendida humanamente e o parto que resultou é uma menina. Passei pelo mesmo cenário na primeira viagem como mãe, daí que não guardo boas recordações para com as parteiras desta maternidade, e isso aconteceu igualmente com a minha prima”, disse a fonte.

Frâncica Abílio ajuntou que “refresco”, ou “lave-me as mãos”, são as gírias usadas para ordenar extorsões às parturientes naquelas unidades hospitalares. Quem não aceite ou não está à altura de corresponder está liminarmente condenada a mau atendimento.

“Quem não pagar dificilmente entra na sala de parto, a paciente é abandonada à sua sorte. É mais grave quando os sinais de parto acontecem no período da noite. Até já mete medo engravidar”, lamentou Francisca Abílio, uma gestante residente da vila sede de Namitil, sede do distrito de Mogovolas.

Amélia Zeca

Amélia Zeca, também natural de Mogovolas e residente na vila-sede de Namitil conta também a sua história: “foram dramáticos os meus primeiros sete partos e não sei qual a sorte que me espera já que estou grávida e sem dinheiro”.

“Assim estou grávida, não sei o que me espera porque estou ciente que vou travar uma forte batalha com as parteiras, uma vez que não tenho dinheiro e vivo na base de agricultura”, disse a gestante com apresentava um semblante de tristeza, que exigiu ao governo para a necessidade de oficializar as cobranças para que as famílias possam se organizar ao programar conceber mais um membro.

“O governo diz que os partos são grátis, mas quando não pagamos somos maltratadas e mal atendidas sob risco de perder a vida assim como a do bebé, seria melhor oficializar através de taxas fixas porque isso iria combater esses cenários de cobranças ilícitas, e não só, iria nos ajudar a planificar as nossas parcas reservas”, sugeriu Amélia Zeca.

“O mais incrível é que aqui em Namitil nas consultas pré-natais tem havido palestras encorajando as mulheres para optarem pelos partos institucionais, mas chegado a maternidade a situação é um caos, e já não confiamos nas parteiras. Ter parto em casa até porque não tem muita diferença porque o sofrimento é idêntico com os da maternidade dos hospitais públicos”, concluiu a entrevistada.

Face à crise de valores instalada no sector de saúde ao nível do distrito de Mogovolas, há também quem conta a história noutra vertente como é da Sara António, mãe de 13 filhos, residente na vila-sede de Namitil,  distrito de Mogovolas,  que diz não ser fácil dar à luz naquele centro de saúde, acrescentando contudo que, em casos de emergência é o casos de uma eventual complicação de parto cuja natureza exija a sua transferência ao Hospital Central de Nampula, o uso da viatura ambulância é condicionada ao abastecimento de combustível pelo doente ou familiares, contrário, este é abandonado a sua própria sorte a ponto de ambos, nomeadamente a parturiente e o feto, correr risco de perca de vida. .

“Nas palestras de consultas pré-natais dadas pelos profissionais de saúde, até tem alertados para que possamos nos preparar para eventuais situações em casos de emergências para abastecer a viatura a fim de ser evacuado à Nampula”, lamentou a fonte, onde para os que não dispõe de valores monetários que é o grosso número por ser um distrito que vive da agricultura, incorre-lhes risco de vida.

As situações de género registam-se igualmente no posto administrativo de Iuluti, distrito de Mogovolas, onde as mães gestantes são aconselhadas a fazer poupança, não só para subornos, mas para abastecer a viatura ambulância para a sua transferência ao centro de saúde de Namitil-sede, e a posterior à Nampula em casos de eventuais complicações. Aliás, o caso de transferências de parturientes por complicações de parto tem sido frequente naquele ponto país, e ao que tudo indica, associados ao crescente índice de casamentos prematuros e consequentemente as gravidas precoces.   

Virgínia Manuel, residente no bairro de Nacuaho, em Iuluti, é uma das mulheres entrevistadas pelo nosso jornal e não escondeu o seu desconforto em torno dos moldes a que as mães gestantes têm sido submetidas quando se trata de período de parto na maternidade local.

“Aqui, as mulheres grávidas são recomendadas a fazer poupança, para que em casos no dia que for a dar luz tratar-se de um parto complicado usar o valor para a compra de combustível e abastecer a ambulância para ser levado ao centro de saúde de Mogovolas ou Nampula, outro constrangimento é o aluguer de mota também para levar mulheres grávidas a estas unidades hospitalares, as enfermeiras falam para nós de cara a cara, que caso a gestação seja algo agravado a responsabilidade é individual, por isso  só agradecemos depois de dar a luz e vermos nossos filhos saudáveis, porque não é algo fácil. E como alternativa, achamos melhor dar à luz em casa pese embora os riscos daí decorrentes”, sublinhou.

Num ouro desenvolvimento, Virgínia disse que as cobranças ilícitas não são apenas feitas pelas parteiras ou técnicas de saúde, a operação estende-se igualmente as matronas tradicionais, pese embora estas últimas exijam apenas gratificações que até podem se traduzir em uma pequena refeição, sobretudo quando se trata de gestantes sem mínimas condições financeiras.

A atribuição de nomes pejorativos pelas técnicas de saúde consta igualmente do rol das inquietações que tem vindo a desencorajar as gestantes a optarem pelos partos institucionais.

“Reconhecemos que os partos fora das maternidades aumentam casos de mortes materno infantil, mas não temos outra alternativa, só de pensar pelo que passamos a pessoa prefere morrer”, anotou Virgínia, que é também matrona do Centro de Saúde de Iuluti.

Ana Basílio, residente no posto Administrativo de Nanhupo-Rio, compara o Centro de Saúde a uma morgue, e justifica que são raras vezes que passe um mês sem relatos de mortes das gestantes, sendo apontada como principal causa o abandono na assistência ao parto caso não solte para o famoso “lave-me as mãos”, suborno.

“Aqui a situação vai de mal a pior, eu só mãe de quatro filhos, natural e residente neste posto de Nanhupo rio, infelizmente não guardo boas lembranças dos partos desses meus quatro filhos, aqui você chega encontra as enfermeiras sentadas a mexer seus celulares, mesmo com fortes dores, dificilmente somos socorridos na devida altura, e para que tenhamos um atendimento rápido, passa necessariamente por negociatas por parte dos nossos acompanhantes mediante ao pagamento de valores monetários em troca de favores. Não tendo, dependerá da vontade das técnicas assim como da sorte da gestante”, lamentou Ana Basílio, que exigiu uma resposta do governo se as mencionadas enfermeiras não recebem salários pagos pelos impostos descontados do povo.

Contudo, actualmente, estima-se que, em cada mil nascimentos, há registo de mais de 400 mortes materno infantil, sendo que, a falta de atendimento pré-natal, abandono do planeamento familiar, desnutrição, para além do HIV SIDA, violência obstétrica são apontados como as primeiras causas das mortes. Segundo estudos do WLSA Moçambique.

A nossa reportagem contactou o sector de saúde em Mogovolas, e cidade de Nampula, a fim de apurar dados estatísticos de mulheres que perderam a vida nas maternidades dos centros de saúde de Namitil-sede, Iulute e Nanhupo-rio, no distrito de Mogovolas, mas não tivemos respostas.

ELINA ECIATE (Texto e fotos)

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