Sepultamento colectivo
Sepultamento colectivo – A população de Palma, vila de Cabo Delgado, Norte de Moçambique, distrito dos megaprojectos de gás natural, sepultou na quarta-feira 24 corpos após um ataque, há uma semana, contra dois transportes colectivos, disseram hoje fontes locais à Lusa.
Os corpos de adultos e crianças, abatidos a tiro e já em decomposição, foram enterrados junto ao local do ataque e das viaturas destruídas, numa estrada de terra batida, zona de mato, perto de Pundanhar, a cerca de 40 quilómetros de Palma.
De acordo com os relatos de seis fontes – familiares, amigos e pessoas envolvidas no enterro e que falaram sob anonimato, alegando questões de segurança -, entre as vítimas estavam o ‘chefe de zona’ (dirigente local) de Boa Viagem, no Bairro Incularino, em Palma, e a esposa.
O casal viajava com vários bens para se mudar de residência, para Nampula, província mais a sul.
Foram os dois únicos a escapar ao sepultamento colectivo, tendo sido enterrados numa aldeia vizinha, depois de familiares conseguirem levar um caixão para o local.
Foi a família deste dirigente que na terça-feira, apesar da insegurança, visitou o sítio do ataque e regressou a Palma, alertando para várias vítimas que se encontravam na área em redor das viaturas e com marcas de terem sido abatidas a tiro.
Entre elas havia pelo menos um cidadão estrangeiro, paquistanês, comerciante estabelecido e conhecido em Palma.
Na quarta-feira um grupo maior viajou da vila até àquele ponto da estrada onde ocorreu o sepultamento colectivo, expressamente para enterrar familiares e amigos de forma expedita: “onde havia dois corpos juntos abriam uma sepultura ao lado e colocavam-nos. Quando eram mais, abriam uma sepultura maior”, mantendo-os juntos, descreveram.
Os veículos emboscados no sábado, 12 de Setembro, pela manhã, transportavam pessoas e bens de Palma para Mueda.
Segundo relatos de sobreviventes, o grupo armado que os atacou mandou parar as viaturas: a primeira não parou, mas as duas que seguiam logo atrás foram alvo das armas de fogo e uma foi incendiada.
Fontes militares na região confirmaram o ataque, relatado também pelo projecto ACLED (Armed Conflict Location & Event Data Project), sem fins lucrativos, sedeado nos EUA, que acompanha o conflito armado em Cabo Delgado e indica que o incidente aconteceu a par de outras incursões junto a Pundanhar nos dias 11 e 12 de Setembro.
Palma é a sede de distrito que acolhe o maior investimento privado em África: o megaprojecto de extracção de gás natural liderado pela Total, em construção e com início de produção previsto para 2024.
A via onde aconteceu o ataque, que segue junto à fronteira com a Tanzânia, tem sido a única ligação por terra ainda usada com relativa segurança para servir Palma, dado que grupos insurgentes tornaram arriscado transitar para Sul, em direcção a Mocímboa da Praia, através da única via asfaltada de Cabo Delgado.
A província costeira mais a norte de Moçambique, que faz fronteira com a Tanzânia, enfrenta uma crise humanitária com mais de mil mortos e 250.000 deslocados internos após três anos de conflito armado entre as forças moçambicanas e rebeldes, cujos ataques já foram reivindicados pelo grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico, mas cuja origem continua por esclarecer.
(Correio da manhã de Moçambique