Causas da má qualidade
As constantes mudanças da tutela têm afectado negativamente a qualidade do ensino superior no País, provocando rupturas nos ganhos conquistados desde a proclamação da independência nacional, em 1975, considera o académico e Chanceler da Universidade Politécnica, Lourenço do Rosário.
O ensino superior era tutelado pelo Ministério do Ensino Superior, Ciência e Tecnologia, criado no segundo mandato do Presidente Joaquim Chissano, que culminou com a criação de institutos superiores politécnicos em diversas províncias, a transformação do Instituto Superior Pedagógico em Universidade Pedagógica, bem como o surgimento das universidades Zambeze e Lúrio.
Entretanto, com a eleição do Presidente Armando Guebuza, em 2004, o Ministério do Ensino Superior, Ciência e Tecnologia é extinto, sendo o ensino superior reintegrado no Ministério da Educação. Nesse período, verificou-se, também, a modificação da Lei do Ensino Superior, de modo a proporcionar o surgimento exponencial de instituições, em todo o País, com a justificação de que a “quantidade traria, com o tempo, a qualidade”.
Por isso, afirma Lourenço do Rosário, “a questão da qualidade foi assimilada como sendo matéria administrativa, criando-se um clima tenso entre a tutela e as instituições de ensino superior. Os órgãos científicos de pares deixaram de poder decidir autonomamente sobre matérias científicas e pedagógicas”.
“A nova Lei do Ensino Superior retirou peso ao Conselho de Reitores, instrumentalizou o Conselho Nacional do Ensino Superior e transformou o Conselho Nacional de Avaliação da Qualidade do Ensino Superior (CNAQ) num instrumento de fiscalização burocrática, mais do que científica”, acrescentou.
Em jeito de conclusão, o académico defendeu a necessidade de o ensino superior reconquistar o seu peso no espaço académico e transformar-se cada vez mais numa voz activa na sociedade, podendo influenciar as grandes decisões traçadas para o bem-estar da nação.
Lourenço do Rosário foi um dos oradores da primeira Conferência “Celebrar a Universidade, Perspectivar o Ensino Superior no Século XXI”, organizada na segunda-feira, 14 de Setembro, no âmbito da celebração dos 25 anos da Universidade Politécnica. A sua apresentação teve como tema “Universidades Moçambicanas, Meio Século Depois: Ganhos, Rupturas e Desafios”.
Danilo Parbato, outro orador da Conferência, quadro do Ministério da Ciência e Tecnologia, Ensino Superior e Técnico-Profissional com mais de 20 anos de trabalho no ensino superior, 15 dos quais na gestão de meios de apoio financeiro às instituições do ensino superior.
Na sua apresentação, Danilo Parbato defendeu a necessidade de o País apostar no ensino à distância para permitir maior acesso ao ensino superior (sem descurar o factor qualidade), uma vez que a actual taxa (de acesso) situa-se nos cinco por cento (5%), de acordo com dados do Banco Mundial e da UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.
Moçambique tem um total de 53 instituições de ensino superior, e aproximadamente 240 mil estudantes, “um número relativamente pequeno pois em termos de ideologia, desde 1975, a nossa luta é expandir e massificar”.
Conforme explicou Danilo Parbato, a pirâmide etária indica que mais de 50% da população moçambicana, ou seja, 12.500.000, tem idade inferior a 19 anos. Destes, somente 156.789 têm o ensino pré-universitário (secundário ou técnico) concluído, isto é, pouco mais de 10%.
“A questão é: quantos destes estão no ensino superior? Somente 44.541. Temos capacidade de ingresso nas instituições de ensino superior, sim, mas perante as necessidades do País ainda há muito por fazer”, sentenciou Danilo Parbato.
Ainda no que diz respeito ao baixo nível de acesso ao ensino superior, o filósofo e Reitor da Universidade Técnica de Moçambique, Severino Ngoenha, afirmou ser importante continuar a apostar na massificação, ajustada à realidade moçambicana, através da abertura de mais instituições públicas e privadas, e da introdução de mais cursos.
Nas suas palavras, “depois de uma massificação – necessária -, o Ensino Superior tem o imperativo de continuar a crescer, mas, ao mesmo tempo, o desafio de acrescentar uma melhor qualidade, não no sentido dos rankings internacionais, mas de um maior envolvimento com a sociedade Moçambicana”. E esse envolvimento deverá ser e saber criar um ensino de qualidade que seja útil e aplicável em Moçambique.
Já foi realizado algum trabalho, entretanto, “Estamos muito longe de massificar o ensino superior no País. Temos de normalizar o acesso (ao ensino superior). Hoje em dia, nos países que são tidos como líderes da economia mundial o ensino superior tornou-se normal, é o caminho de acesso à vida profissional, o que permite uma maior progressão das suas vidas”. E a universidade não pode apenas formar profissionais para o mercado do emprego. Deve investir, também, para que os que a frequentam, para além de “saber fazer” e de “saber estar”, “saibam ser”, sublinhou o filósofo.
Para Severino Ngoenha, é necessário, ainda, adoptar mecanismos que façam do estudante um autodidacta e o centro da formação, em que o protagonista deixa de ser o professor. Para tal, “há que transformar os meios de lazer [os telemóveis e os computadores] em instrumentos pedagógicos”.
(Correio da manhã de Moçambique)