Um olhar crítico à corrida ao Parlamento
Em tempos eleitorais, particularmente em África e em Moçambique, os desafios e implicações são significativos e multifacetados.
A edição número 6840 do jornal Redactor, datada de 14 de Junho, trouxe à tona uma realidade crescente: “Jornalistas, analistas e comentadores na corrida ao parlamento”. Este fenómeno merece uma análise crítica, especialmente neste ano eleitoral crucial para Moçambique.
Os períodos eleitorais em África são marcados por intensas campanhas, promessas políticas e, frequentemente, tensões sociais. Em Moçambique, a situação não é diferente.
A corrida pelo Parlamento atrai uma diversidade de candidatos, incluindo jornalistas, analistas e comentadores. Embora a participação de profissionais da media possa parecer positiva à primeira vista, promovendo a diversidade de perspectivas e a democratização do processo político, há preocupações legítimas sobre a qualificação e as reais intenções desses candidatos.
A entrada de jornalistas, activistas e comentaristas na política activa levanta a questão da preparação e da competência para exercer cargos públicos. Muitos dos aspirantes a deputados carecem de educação formal ou noções básicas de liderança. A política não deve ser vista apenas como uma via rápida para o poder ou uma oportunidade de carreira alternativa.
Representar o povo requer uma compreensão profunda das questões políticas, sociais e económicas que afectam a nação. Como salientam Kovach e Rosenstiel (2003), “a qualidade da informação é a base da qualidade da democracia”. Sem líderes informados e preparados, a governança democrática fica comprometida.
No contexto moçambicano, onde a pobreza e a fome são questões prementes, muitos candidatos afirmam que entrarão na política para resolver esses problemas.
No entanto, é necessário questionar a autenticidade dessas intenções. Reduzir a fome e a pobreza exige políticas bem fundamentadas, experiência e um compromisso genuíno com o serviço público. Segundo Max Weber (1991), “a política é uma vocação”, e não deve ser vista apenas como uma ocupação ou um meio de ganho pessoal. Infelizmente, há uma percepção crescente de que alguns candidatos estão mais interessados no status e nos benefícios pessoais associados aos cargos políticos do que em servir o povo.
O fenómeno de muitos jovens preferirem a política a outras profissões também merece uma reflexão. A política, em sua essência, deveria ser um campo para aqueles com uma vocação para o serviço público, não uma alternativa para quem busca uma carreira fácil ou um meio de subsistência. A visão romântica de que ser deputado é uma solução rápida para problemas pessoais e financeiros é perigosa e pode levar a uma representação ineficaz e corrupta. Como argumenta Lipset (1960), “a estabilidade democrática está intrinsecamente ligada à eficácia e legitimidade das instituições políticas”, destacando a necessidade de líderes competentes e comprometidos.
Além disso, a presença de jornalistas e comentadores no parlamento pode comprometer a credibilidade, imparcialidade e a independência da media. Quando jornalistas entram na política, a linha entre reportar e participar activamente no processo político torna-se ténue. Isso pode levar a conflitos de interesse e à perda de credibilidade tanto dos indivíduos quanto das instituições de media que eles representaram. Habermas (1989) alerta sobre a “colonização do mundo vivido pelo sistema”, onde a esfera pública pode ser comprometida por interesses políticos e económicos.
O papel do deputado é crucial para a democracia e o desenvolvimento de qualquer nação. Deputados devem ser escolhidos com base em suas habilidades, conhecimento e compromisso com o bem público. O simples desejo de reduzir a fome ou melhorar as condições de vida, embora louvável, não é suficiente. É necessário ter uma compreensão clara das políticas públicas, capacidade de liderança e integridade. Conforme ressalta Schumpeter (1942), “a qualidade da liderança é um dos factores determinantes para a eficácia de uma democracia”.
Em conclusão, a corrida ao parlamento por jornalistas, activistas, analistas e comentadores em Moçambique deve ser vista com cautela. A participação na política deve ser baseada em qualificações e comprometimento genuíno com o serviço público, não como uma alternativa de carreira fácil. É essencial que os eleitores avaliem criticamente os candidatos e suas reais motivações, garantindo que aqueles que forem eleitos estejam verdadeiramente preparados e dispostos a representar e servir ao povo moçambicano
KELLY MWENDA
Este artigo foi publicado em primeira mão na edição em PDF do jornal Redactor do dia 18 de Junho de 2024.
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