Uma grande encruzilhada

Uma vez mais, a apreciação, debate e aprovação da lei sobre o Fundo Soberano pela nossa Assembleia da República foi adiada para… mais tarde, não se sabendo se será na próxima sessão ou não. A primeira proposta deste instrumento legal foi desenhada no início do segundo semestre do ano passado e esperava-se que na sessão de Outubro do mesmo ano fosse à apreciação e aprovação, dado que em Novembro iríamos receber os primeiros dividendos da exploração do gás, o que não aconteceu. Muitos, incluindo elas, então, sentiram-se desconfortados com a proposta de lei, ou de todo excluídos e clamaram por mais auscultação popular, inclusão e mais debate. A AR anuiu e o projecto acabou sendo retirado para próxima oportunidade.

Tudo indicava que tal oportunidade seria na sessão do primeiro semestre do presente ano, mas, uma vez mais, não aconteceu. Entre o desencontro de ideias entre deputados das três bancadas, as desavenças da AR e o Banco de Moçambique, com o governador deste a humilhar completamente os deputados/moçambicanos ao não comparecer nem se justificar a uma sessão de esclarecimento na comissão parlamentar especializada, veio de nova à tona que a tal auscultação não tinha sido mais abrangente como se requer e nem acomodava as contribuições apresentadas por várias sensibilidades. Houve, novamente, recomendação de mais auscultação. Daí para cá, houve uma correria louca do Executivo e, quando se convocou a sessão extraordinária da semana passada, havia quase certeza de que o projecto de lei, uma vez constante da agenda, iria ser abordado. De novo… nada!

Em causa, a ausência de consenso. Prevalecem divergências nos pontos essenciais, designadamente, sobre a natureza e essência do fundo, se uma conta bancária domiciliada no Banco Central ou noutro; quem vai efectivamente geri-lo; e onde e como será aplicado. Por outras palavras, estamos no mesmo sítio onde estávamos quando ainda não recebíamos dividendos da exploração dos nossos recursos naturais. Entretanto, já estamos a recebê-los.

Mas, ouvindo e analisando alguns dos pronunciamentos de certos concidadãos, dá para perceber que a questão da essência ainda não está ultrapassada e é bicuda. O professor Severino Ngwenha questiona se, numa situação como esta em que nos encontramos – de crianças estudando ao ar livre e no chão; apenas 30 por cento de compatriotas com três refeições por dia (ao contrário do que propalou Celso Correia); 50 por cento com acesso à água de fonte segura e energia eléctrica; défice de hospitais e os existentes sem medicamentos essenciais para a maioria da população; país com grande défice de infra-estruturas (estradas, linhas férreas, pontes, acesso à comunicação (telefonia); etc. – vale a pena guardar dinheiro para as futuras gerações. Esta é a questão de fundo: tendo compatriotas sucumbindo, sobrevivendo; com uma refeição por dia, sem emprego, sem acesso à água segura, energia, estrada, telefone, ie., condições de vida básicas, vale a pena guardar dinheiro?… Grande encruzilhada!

Num artigo de Outubro do ano passado, escrevia eu: “Minha visão é que devemos definir aqui e agora o que fazemos com o Fundo Soberano, a parte que irá para a conta a ser aberta no Banco de Moçambique. A lei sobre o Fundo Soberano deve estar completa e estar completa significa que deve também especificar o destino dos valores a entrarem. Não acho que devamos ser como a maioria dos criadores de gado do nosso país, que se contenta apenas em contemplar a quantidade de cabeças que tem no curral e está à espera de ver o que vai fazer com elas… tipo nós que só vamos ver o saldo da nossa conta e não temos ideia clara do que fazer com aqueles fundos… que até são magros… estamos à espera de decidir o que fazer com eles. Não. Esta questão tem que estar fechada já. Tomarmos uma decisão colectiva e consensual sobre onde aplicar os fundos provenientes da exploração dos recursos naturais. 

Já agora: acho que o Fundo Soberano deve ser aplicado na construção e reabilitação de infra-estruturas, só e somente só. Por infra-estruturas, quero dizer estradas estratégicas e estruturantes, isto é, as primárias e secundárias, pontes estratégicas, nacionais, regionais e provinciais; linhas férreas regionais e nacionais; e barragens e centrais eléctricas de âmbito nacional e regional. Penso que um país com excelentes infra-estruturas será um bom “legado” para as gerações vindouras”. 

Considero pertinente a questão colocada acima, mas mantenho este posicionamento, que me parece que cobre a preocupação levantada, de se guardar dinheiro quando compatriotas soçobram, com a ressalva de que também não vejo com bons olhos que a gestão do fundo seja por uma equipa subordinada ao governo do dia; deve, sim, prestar contas à Assembleia da República. 

MOISÉS MABUNDA

https://rb.gy/3w9z6

Este artigo foi publicado em primeira-mão na versão PDF do jornal REDACTOR, na sua edição de 18 de Agosto de 2023, na rubrica denominada OPINIÃO

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