Vândalos ou revolucionários?

Vândalos ou revolucionários?

“O papel do intelectual é dizer a verdade àqueles que ainda não a vê e em nome daqueles que não podem dizê-la”. Desde Outubro de 2024, em Moçambique estamos a assistir um fenómeno nunca antes visto. Alguns chamam de manifestações pacíficas em prol da verdade eleitoral. Outros chamam de manifestações pacíficas em prol da mudança das condições de vida precárias, uma revolução eminente. Outros chamam de manifestações violentas, vandalismo e apelidam os seus autores como vândalos. São muitos adjectivos que não cabem aqui listar. Essa interpretação ambígua do fenómeno que estamos a vivenciar suscitou-me à uma reflexão profunda sobre cada um dos termos. Estaremos perante vândalos ou revolucionários?

O termo vândalo, resumidamente é comumente utilizado como rótulo abrangente atribuído à determinados actores sociais, que considera estes como violentos e destruidores. Trata-se de um julgamento moral que isenta uma análise objectiva e se configura como uma negação da racionalidade e intencionalidade dos sujeitos nas suas acções, como se estes estivessem desprovidos de razão.

Contudo, quando observamos o fenómeno em causa, não se trata de um movimento de actores mudos ou surdos. São várias motivações plasmadas nos cartazes estampados nos carros, nas camisetas, nos dísticos, nos gritos, nas músicas, nos cânticos entoados em surdina, choros, sangue e lágrimas derramados em plenas ruas das cidades. 

Foucault, no livro intitulado: Microfísica do poder, refere que “quando se luta contra a exploração é o proletariado que não apenas conduz a luta, mas define os alvos, os métodos, os lugares e os instrumentos de luta; aliar-se ao proletariado é unir-se a ele em suas posições, em sua ideologia; é aderir aos motivos de seu combate; é fundir-se com ele. Mas se é contra o poder que se luta, então todos aqueles sobre quem o poder se exerce como abuso, todos aqueles que o reconhecem como intolerável, podem começar a lutar onde se encontram e a partir de sua actividade (ou passividade) própria. É começando essa luta que se entra em processo revolucionário”.

Vamos analisar o fenómeno que estamos a viver em Moçambique, à luz da perspectiva da Foucaultiana.

Quando o proletariado luta contra a exploração e abuso de poder, quem conduz a luta é o próprio proletariado contra a burguesia. “…aliar-se ao proletariado é unir-se a ele em suas posições, em sua ideologia; é aderir aos motivos de seu combate; é fundir-se com ele (…) todos aqueles sobre quem o poder se exerce como abuso, todos aqueles que o reconhecem como intolerável, podem começar a lutar onde se encontram e a partir de sua actividade (ou passividade) própria…”

1 – As manifestações, que inicialmente clamavam pela verdade eleitoral e tinham liderança do partido Podemos e VM7, hoje, o clamor não é mais apenas do Podemos e VM7, é o povo. São as classes baixas residentes nos subúrbios e zonas periféricos e arredores das cidades. São as classes mais pobres, vulneráveis, que estudam em escolas precárias, debaixo das árvores, com acesso limitado e precários dos serviços de saúde. São os professores, enfermeiros, médicos, com salários e horas extras em atrasos. São jovens sem emprego, sem esperança e com futuro incerto.  São jovens que enfrentam barreiras para iniciar um negócio devido a burocracia e corrupção. Enfim, é o proletariado a agir cada um no seu sector, no seu lugar, no seu âmbito social. VM7 apenas está a trazer à tona uma plataforma onde se pode partilhar os sentimentos de sofrimento e opressão acumulados ao longo de décadas (segundo os gritos dos manifestantes).

2 – (…) quando se luta contra a exploração é o proletariado que não apenas conduz a luta, mas define os alvos, os métodos, os lugares e os instrumentos de luta (…)

O fenómeno que estamos a observar, podemos considerar como uma frente de luta, cujos alvos, os métodos, os lugares e os instrumentos de luta são definidos, ainda que seja de forma dinâmica, em cada etapa. O facto de negarmos perceber a realidade de forma objectiva, não anula a intencionalidade e racionalidade na forma de pensar, sentir e agir dos manifestantes, seja de forma individual ou colectivo. Se percebermos os alvos, os métodos, os lugares e os instrumentos de luta dos manifestantes, então estaremos a iniciar um processo de reconciliação desarmados. Nesta luta há uma razão fundamental que não pode ser ignorada e nem negligenciada. Pode não fazer sentido para nós, mas precisamos de pelo menos perceber o sentido partilhado por eles. 

3 – (…) É começando essa luta que se entra em processo revolucionário (…)

Se a luta já começou nos moldes como acima descritos, então podemos considerar que estamos perante um processo revolucionário. Negar essa verdade observável e considerar os manifestantes como vândalos, é submeter-se à uma insónia profunda que precisaria de um psicanalista ou psiquiatra. 

VASCO MUCHANGA (Sociólogo)

https://www.facebook.com/Redactormz

Compartilhe o conhecimento
  •  
  •  
  •  
  •  
  •  
  •  
  •  
  •  

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *