Semana da Juventude
A propósito da Semana Nacional da Juventude
Apenas dois, em cada cinco jovens, em África, incluindo Moçambique, acreditam que o governo vai fazer a coisa certa, nas questões fundamentais.
De acordo com o African Youth Survey/2022, ¾ dos jovens em África querem ser donos do seu próprio negócio nos próximos cinco anos. A pesquisa que revela este dado foi patrocinada pela Ishikowitz Family Foundation e conduzida pela firma Penn Shoen Berland (PSB).
Moçambique consta dos 19 países abrangidos no estudo que entrevistou cara-a-cara perto de nove mil jovens de ambos os sexos, “prontos para trocarem as suas terras nativas por lugares onde acreditam que as oportunidades estão”. Interessante notar que à pergunta para onde (preferencialmente) emigrar, África é a primeira escolha, seguindo-se a Europa, e em terceiro lugar os Estados Unidos, cuja força e papel construtivo no continente os jovens pensam que baixou nos últimos dois anos, a favor da China.
Nos países objecto desta pesquisa, incluindo Moçambique, decaiu a percepção de que os governos estejam no caminho certo em áreas como igualdade de direitos, emprego, serviços de saúde e estabilidade política.
Embora acreditem que as lideranças sejam uma força importante para determinar os rumos a seguir, apenas dois jovens, em cinco, têm fé que os chefes locais vão fazer a coisa certa.
Mesmo sendo esta apenas uma parte dos resultados da pesquisa seria importante, no caso de Moçambique, reflectirmos sobre o dividendo da integração financeira; do desempenho do governo nas principais áreas sociais, como o emprego, a saúde e a educação; e nas migrações (internas e transnacionais), incluindo o terrorismo.
No primeiro ponto, em meio à crescente depauperação dos moçambicanos (agravada pela pandemia da Covid 19) a Banca, completamente dominada pelo capital estrangeiro, continua a registar um crescimento estratosférico. 115%, por exemplo o ABSA em 2022.
Os créditos, a taxas empobrecedoras, perfilam-se entre os activos de maior remuneração dos bancos. Por regra o Banco de Moçambique estabelece a taxa de referência sobre a qual os bancos comerciais constroem os seus spreads, avaliado o risco no âmbito dos empréstimos hipotecários, do crédito empresarial e de consumidor, e dos produtos de poupança. Neste momento essa taxa é 20.6%.
Na vizinha África do Sul a repo rate vigente é de 4.7%.Em Moçambique os bancos comerciais concentram demasiado risco no mutuário, e do ponto de vista do Banco Central não nos parece esgotada a “aritmética” que pode tornar o dinheiro mais barato. Nos seus relatórios anuais eles continuam a congratular-se da redução dos seus custos operacionais. Não admira, por exemplo, que não haja dependências ou ATM’s suficientes lá onde são necessárias, ou, se as há, não funcionem, e ninguém parece importar-se com isso, porque quaisquer que fossem, eventualmente, os ganhos nesse nicho, eles seriam sempre cobertos pelos rendimentos dos juros exorbitantes.
Os esquemas de crédito rotativo (vulgo xitiques) seriam uma alternativa interessante à banca comercial acontecendo, porém, que a poupança constituída nesses mecanismos a custos muito baixos é também captada pela banca comercial e “emprestada” aos donos originais a preços de exploração.
No segundo ponto, à pergunta sobre que factor teve mais impacto em África nos últimos 5 anos, 60% dos jovens de Moçambique responderam que foram as doenças infecciosas, portanto saúde, que é um indicador central da boa-governação.Neste African Youth Review 2022 os jovens afirmam, igualmente, que estão preparados para se estabelecerem lá onde os recursos estão, não importando quão longe, ou se é, ou não, a sua terra natal.
Se nesses lugares não se consolidarem mecanismos transparentes, socializados e sólidos, de gestão, a imigração pode propiciar o caos e o hábito da usurpação pela força.
A xenofobia na África do Sul, ou o terrorismo em Cabo-Delgado, são um exemplo quase perfeito. Não passa despercebido quando um leilão internacional de rubis de Cabo Delgado rende 95 milhões de dólares: de Mogadíscio à Adis, de Lagos à Tete, Gaza onde quer que seja, os jovens percebem o engodo que isso é. Chegados aqui, a questão fundamental é como, no nosso continente, Moçambique incluso, extraímos o maior beneficio do dividendo demográfico.
Se o ganho da população que trabalha, ou quer trabalhar (e que é a maioria do ponto de vista da estrutura etária) vai ser, ou não, fomentado e protegido como deve ser. Se o jovem africano pode ter a sua empresa em cinco anos (conforme sonha) num contexto em que por cada 100 meticais que a banca lhe empresta esta cobra-lhe de volta 128, colocando a maior pressão possível em qualquer que seja a sua taxa de esforço; se a burocracia e a corrupção nas instituições não forem devidamente endereçados (veja-se por exemplo a quantidade de processos de regularização ou aprovação de projectos que aguardam despacho nos municípios, e a que tempo); se não reavaliarmos o nosso interesse nacional e a capacidade de o defender e de nos batermos por ele mobilizados por uma visão mais estratégica, e mais comum, como foi, por exemplo, em 1962.
Um dia o nosso ministro dos recursos minerais afirma que sim podemos ir buscar combustível mais barato à Rússia e, no dia seguinte, os americanos (através do seu Departamento de Estado) dizem ai de vocês. E nós? Na abertura da reunião nacional da juventude o Presidente da República falou das intenções (até de parceiros) de recolonizar o nosso país mas, a pergunta é: constatado isso, o que fazemos? Lamentar só?
ARMINDO CHAVANA JR.