Cabeça do Velho: santuário para uns, lavandaria para outros
Cabeça do Velho é o nome dado ao monte visível a partir de diversos pontos do centro de Moçambique, localizado a aproximadamente cinco quilómetros da cidade de Chimoio, capital da província central moçambicana de Manica. Foi assim baptizado por parecer um velho deitado de costas. Para o turista comum, é um lugar de veraneio, mas para os crentes de diversas religiões e seitas é um santuário para onde se pode peregrinar e para alguns nativos uma simples lavandaria.
Praticamente quase ninguém usa o nome Monte Bengo, fundado na designação da região onde assenta esta elevação hoje ponto de peregrinação de fiéis de diversas religiões e seitas e de veraneantes de diversas nacionalidades, envolta em inúmeros mitos, tais como ser proibido beijar, manter relações sexuais, urinar, defecar, assim como deixar por lá instrumentos que tenham sido trazidos pelos alpinistas, pois, alegadamente, pode constituir uma afronta aos espíritos ali instalados.
Ir a Chimoio – “coração pequeno” [em língua ci-tewe] – e não visitar o Cabeça do Velho seria o mesmo que ir a Roma e não se deslocar à Praça de São Pedro, para ver o Sumo Pontífice.
Já lá vão os tempos em que a densa floresta que circundava o Monte Bengo, hoje Cabeça do Velho, de longe dava a sensação de um ancião deitado sobre um jardim, porque esta já foi dizimada por gente oriunda de diversas partes e que ali se estabeleceu, pelos mais variados pretextos: busca de segurança, “independência social” e pura e simplesmente “porque sim”.
“Isto tudo era mato denso e quase que ninguém habitava do lado de cá do rio Mudzingazi. Mesmo eu quando vi que muita gente estava a construir, saí do bairro ‘Josina Machel’ para aqui e ocupei uma vasta porção de terra que, infelizmente, foi amputada quando o município mandou construir esta estrada. Ali havia uma mangueira enorme de onde partia o meu estendal, mas, mesmo assim, ainda me sobra um bom espaço”, consola-se Rosalina Luís, vigilante numa empresa de segurança privada, coincidentemente onde labutava o finado marido.
Rosalina Samuel Luís, de 46 anos de idade, acrescenta ter ainda na retina a imagem que era a periferia da base do monte Cabeça do Velho, antes do recrudescer da sua ocupação por pessoas oriundas de diversos pontos da província de Manica e não só.
Na condição de não serem referenciados, alguns dos nossos interlocutores assacam ao “processo de descentralização mal concebido” como factor fundamental para as ocupações desordenadas ainda em marcha ao redor do Cabeça do Velho.
“Como quase ninguém sabe onde começam e terminam as atribuições deste e daquele assiste-se àquela anarquia toda e em surdina cada um empurra as culpas ao outro, sempre que as coisas correm mal, como é recorrente”, disse-nos outro interlocutor nosso, frisando que “o que seria um lugar aprazível paulatinamente vai ficando ao Deus dará”.
E, sob os mais variados pretextos, alguns dos que deviam interagir connosco se esquivaram, na maioria dos casos por desconhecerem o alcance e raio de acção das suas competências naquele território.
Em bom rigor são, no mínimo, quatro as entidades que “governam” a cidade de Chimoio, a saber: líderes comunitários, autarquia, Governo provincial e Conselho dos Serviços Provinciais de Representação do Estado.
Filipe Mabonja, há quatro anos à frente dos Serviços Provinciais do Ambiente, elencou os esforços do seu pelouro na conservação ambiental do local, esforço que, na sua avaliação, conta com a concorrência dos residentes em coordenação com a Agência para o Controlo da Qualidade Ambiental.
Tomás Vasco João, de 50 anos de idade, adjunto chefe de zona do bairro Namaonha, onde reside desde 2012, nas encostas do Cabeça do Velho, que falou para o Redactor à condição ─ em representação do seu superior hierárquico, Alberto Canivete ─, refere que quando ali se estabeleceu “isto ainda era mato e as pessoas tinham medo até de escalar o monte”.
Diz este pai de quatro filhos que a devastação das cercanias do monte resultou da busca incessante de lenha e das “ocupações anárquicas” pelas hoje pouco mais de 500 famílias ali estabelecidas.
Tem uma visão positiva da actual situação: a presença de muitas habitações e pessoas inibe a actividade dos criminosos que campeavam, tendo, basicamente, os turistas como alvos preferenciais.
Ainda assim, reserva uma ponta de optimista quanto à conservação ambiental, ao frisar que “convivemos sem problemas com a fauna residual. É normal aparecerem aqui babuínos, por exemplo, à procura de algo para se alimentarem. Evitamos confrontá-los porque os encontrámos aqui. É lugar deles e nós é que somos os vientes”, comenta, com uma ruidosa gargalhada.
Domingos Carvalho, de 49 anos de idade e pedreiro de profissão, no local desde 1998, que saiu da “casa dos velhos” no bairro Sete de Setembro para buscar a sua “independência social”, secunda o “chefe” Tomás quanto à convivência com a natureza e com os turistas.
Manuel Alberto, 20 anos de idade, nativo da zona e empregado de quarto na pousada há oito meses, encara o aumento de residentes nas cercanias do monte com a vantagem do aumento da segurança para quem pretende explorar o monte Cabeça do Velho.
“Aumentou o número de turistas e a Polícia adoptou estratégias assertivas para combater os assaltos que antes eram frequentes: actuam à paisana e depois da neutralização de alguns assaltantes desde 2009 que não temos registo desse tipo de ocorrências”, ajuntou Manuel Ferrão, residente no centro da cidade de Chimoio que o encontrámos a se divertir no pequeno restaurante adstrito à pousada do monte Cabeça do Velho, propriedade de um oficial militar das Forças Armadas de Defesa de Moçambique.
Benard Melo Bacar, 69 anos, diz que se inspirou para montar aquela instância turística depois de ver iniciativas similares “em diversos pontos do país” por onde passou como efectivo da Força Aérea de Moçambique durante a luta de libertação nacional e da defesa da soberania.
Seria imperdoável ir à antiga cidade de Vila Perry e não “pegar” numa mototáxi que com aproximadamente cinquenta meticais te levará à frescura proporcionada pelo Cabeça do Velho que em dia de chuva intensa transmite a sensação de um ancião chorando. Jamais desperdice essa oportunidade!
REFINALDO CHILENGUE (Texto)
REFINALDO CHILENGUE e KELLY MWENDA (Fotos)
Este artigo foi publicado em primeira mão na edição em PDF do jornal Redactor do dia 19 de Fevereiro de 2024.
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